Construção de nova ponte sobre rio Juruá garante fôlego a projeto de interligação terrestre do Acre com Peru


O governador Gladson Cameli (PP) e o presidente Lula (PT) durante visita a Rio Branco: petista anuncia R$ 1 bi de investimentos no Acre, entre eles a nova ponte sobre o rio Juruá (Foto: Diego Gurgel/Secom/AC)

Durante visita a Rio Branco em agosto, presidente Lula (PT) afirmou que vai tirar do papel projeto de construção da ponte entre Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves. Ausência de obra era vista como principal entrave para conexão rodoviária até cidade peruana de Pucallpa. Classe política acreana também aposta em ferrovia que pode ser bancada pela China. “É um caminho sem volta”, diz deputado.

O anúncio da construção da ponte interligando Cruzeiro do Sul a Rodrigues Alves, feito durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Rio Branco no último dia oito de agosto, mantém acesas as expectativas da classe política local para tirar do papel o projeto de uma nova interligação rodoviária do Acre com o Peru, agora a partir do Vale do Juruá. O esforço é empreendido, sobretudo, por deputados estaduais com base eleitoral no Juruá, com destaque para o ex-presidente da Assembleia Legislativa, Luiz Gonzaga (PSDB).

Apesar de hoje não assumir enfaticamente a causa, o governo de Gladson Cameli (PP) faz movimentações mais discretas para não deixar que o projeto da interligação Cruzeiro do Sul-Pucallpa seja soterrado por completo. Uma postura bem diferente da observada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando o Palácio Rio Branco era o principal porta-voz da empreitada de abrir a estrada numa das regiões mais bem preservadas do bioma amazônico.

A construção da rodovia enfrenta forte resistência dos movimentos sociais de base e ambiental por conta dos impactos que pode vir a ocasionar nos dois lados da fronteira. O traçado da estrada passa por uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta, além de ser o lar para diferentes populações indígenas, incluíndo grupos em isolamento voluntário.

Estudo da Conservation Strategy Fund (CSF) apontou prejuízo social estimado de R$ 960 milhões caso a rodovia fosse construída.

Por conta disso, parlamentares iniciaram movimentos para se buscar rotas alternativas para a estrada Cruzeiro do Sul-Pucallpa. A ideia é buscar caminhos que passem longe de territórios indígenas e unidades de conservação. A questão é que a maior parte do Vale do Juruá está composta por áreas protegidas ou demarcadas para populações indígenas.

No final de agosto, uma comitiva formada por deputados, membros do governo e do setor privado cumpriram extensa agenda no Peru em busca de um “plano B” para o projeto. E, conforme foi anunciado, essa rota alternativa seria via o município de Marechal Thaumaturgo, no Alto Juruá, localizado bem na fronteira com o país vizinho.

“É um caminho sem volta. São apenas duzentos e dez quilômetros que nos separam dessa região tão rica do Peru. Não há justificativa para essa integração não acontecer. Desses duzentos e dez quilômetros da futura estrada, são apenas cem dentro do nosso Acre”, declarou o deputado Luiz Gonzaga, em entrevista ao portal ac24horas.

Ao fazer tal declaração, o parlamentar aparenta mostrar certo desprezo aos impactos sociais e ambientais que a rodovia ocasionará nos outros 110 quilômetros dentro da Amazônia peruana, uma área já pressionada pela exploração madeireira predatória, a mineração, exploração de gás e petróleo, além do narcotráfico.

Ele também desconsidera os graves danos que os “somente” 100 quilômetros podem ocasionar do lado de cá; como é de notório saber coletivo, a abertura de estradas é o principal vetor para a expansão do desmatamento, o roubo de madeiras e a apropriação de terras públicas – a famosa grilagem.

Travessia entre Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves hoje é feita por uma balsa do estado e balsinhas privadas (Foto: Fabio Pontes/Varadouro)


Outra alternativa seria substituir a rodovia por uma ferrovia. A ideia é pegar carona no projeto chinês de construção de uma estrada de ferro para encurtar as exportações brasileiras de commodities ao gigante asiático. Ao invés de sair dos portos do Atlântico – cujo caminho é muito mais longo e caro – a proposta é fazer com que produtos como soja, carne e minérios sejam enviados à China a partir dos portos peruanos do Pacífico.

O rascunho de um projeto prevê que a ferrovia atravessaria as Amazônias do Brasil e do Peru, a partir do Vale do Purus. Contudo, a bancada política do Acre quer convencer os chineses de que a rota pelo Vale do Juruá, a partir de Marechal Thaumaturgo, é a mais viável.

“O direito dos povos indígenas está reconhecido na Constituição Brasileira e as comunidades não podem pagar o preço de o Estado não agir e defender os povos”, afirma a liderança Ashaninka Francisco Piyãko, coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj).

A entidade lançou um filme mostrando a história de luta e mobilizações do movimento indígena do Vale do Juruá em defesa dos direitos das populações tradicionais, caso o empreendimento torne-se uma realidade.

Uma ponte no meio do caminho

E o anúncio da construção da ponte sobre o rio Juruá entre Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves pelo governo Lula deu mais fôlego à empreitada da classe política. A ausência da ponte era vista como o principal entrave para viabilizar uma nova conexão com o Peru, a partir do Vale do Juruá. A obra é vista como de alto custo por conta da sua complexidade, nunca tocada pelos governos, mesmo diante da incontestável demanda da população local.

Atualmente, a travessia entre as duas cidades é feita a partir de uma balsa operada pelo governo e balsinhas privadas. Constantes são os relatos de problemas na travessia, com veículos que caem no rio pelas dificuldade nas rampas de acesso ou balsas que afundam.

Autoridades do Acre e de Ucayalli discutem o “plano B” para integração terrestre a partir do Vale do Juruá (Foto: Divulgação Autoridad Regional Ambiental Ucayali)

Em 4 de setembro passado ,a Comissão Transfronteiriça Juruá/Yuruá/Alto Tamaya e a Conexão Cipó – rede composta por organizações ambientais, indígenas e indigenistas do Acre – protocolaram requerimento de informações à Aleac, ao governo do Acre, ao Ministério do Planejamento e Orçamento, ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e ao Ministério das Relações Exteriores. para esclarecer negociações e estudos entorno das propostas da nova interligação terrestre com o país vizinho.

As organizações pedem esclarecimentos sobre a afirmação pública de que Marechal Thaumaturgo não enfrentaria “empecilhos técnicos como terras indígenas, unidades de conservação de uso sustentável e nem unidades de conservação de proteção integral”.

O requerimento sustenta que a área está na zona de influência do Parque Nacional da Serra do Divisor e abrange territórios e unidades de conservação, como as Terras Indígenas Arara do Rio Amônia e Kampa do Rio Amônia, a Reserva Extrativista do Alto Juruá e o próprio parque, além de comunidades no lado peruano (Sawawo Hito 40, Saweto e Sawaya).

O documento relembra decisão judicial de 2023 em que a Justiça Federal do Acre proibiu União, DNIT e Ibama de praticar atos para implementar o trecho de integração da BR-364 na região, citando a necessidade de consulta prévia, livre e informada prevista na Convenção 169 da OIT e a ausência de qualificação, pela Funai, do Estudo de Referência nº 64 sobre indígenas isolados do Igarapé Tapada. A sentença é indicada nos anexos.

No campo procedimental, o requerimento pergunta quais protocolos serão adotados para garantir o direito de Consulta Livre, Prévia e Informada e quais canais de participação comunitária ouvirão moradores da região. Indaga ainda sobre a previsão de estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental para a ligação via Cruzeiro do Sul/Marechal Thaumaturgo.

Ponte sobre o rio Juruá, ligando Cruzeiro do Sul ao restante do estado via BR-364; obra de complexa engenharia na Amazônia (Foto: Fabio Pontes/Varadouro)

Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco

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