Há quase 01 (um) ano da publicação da Lei nº 847/2015, que instituiu o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Tarauacá, publicada no dia 05/06/2015, que os servidores municipais têm se havido com infindáveis apreensões acerca da movimentação dos recursos de sua conta vinculada ao FGTS: seja em razão da possibilidade de saque do saldo existente, seja em virtude da regularização do saldo devedor.
No primeiro caso, percebe-se que os servidores aguardam ansiosamente ajustes administrativos que lhes permitam realizar os saques dos saldos existes; no segundo, parte dos trabalhadores têm se dirigido à Justiça do Trabalho com vista à regularização dos depósitos fundiários pendentes.
Bem sabemos que a publicação da Lei nº 847/2015 modificou o regime de emprego dos trabalhadores do Munícipio de Tarauacá, que passaram da condição de empregados regidos pela CLT para servidores públicos regidos por Estatuto próprio, tendo como uma das consequências o fim da obrigação do empregador a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada ao trabalhador, a importância correspondente a 8 (oito) por cento de sua remuneração paga ou devida, no mês anterior, na forma do art. 15 da Lei Federal nº 8.036/90.
Com a mudança do regime, o que tem sido questionado não é sobre a regularização dos depósitos em atraso, que podem ser feitos tanto administrativamente quanto judicialmente, mas se é possível ou não a realização de saques administrativos dos valores depositados nas contas do FGTS.
A melhor e escorreita resposta é não. “A mudança de regime celetista para estatutário não autoriza o levantamento do FGTS, pois não há rescisão do vínculo, nem determinação na lei nesse sentido”.
Em que pese o reconhecido esforço da Prefeitura Municipal em procurar meios administrativos para que os trabalhadores acessem suas contas fundiárias, inclusive, com declarações recentes nas rádios locais de que formas seriam alcançadas com vistas à efetuação dos saques pelos trabalhadores, a boa vontade da gestão atual esbarra no art. 20 da Lei Federal nº 8.036/90 que estipula, taxativamente, as hipóteses em que a conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada, se denominando conta vinculada porque ela, justamente, se vincula às hipóteses do art. 20 antes citado que não tem nenhuma previsão legal de movimentação de saque para caso de mudança do regime celetista para estatutário.
No caso, a única hipótese administrativa de saque dos valores hoje depositados nas contas do FGTS, encontra-se prevista no inciso VIII, do art. 20 da Lei Federal nº 8.036/90, que impõe prazo de 03 (três) anos sem movimentação da conta para que haja o saque posteriormente, a partir da data de aniversário do correntista.
Qualquer outra medida administrativa diversa, que vise sacar os depósitos do FGTS constitui-se como ato ilegal, passível de responsabilização civil e criminal do administrador, porque o vínculo entre o ente político (Município) e o trabalhador não se dissolveu com a mudança de regime, o que afasta, por exemplo, a hipótese prevista no inciso IX de citado artigo (extinção normal de contrato a termo), também não se podendo cogitar de demissão sem justa causa (inciso I - o que acarretaria multa rescisória de 40% a ser paga ao trabalhador pelo Município, e 10% ao FAT), porque, de novo, o vínculo laboral se protraiu, continuou ao longo do tempo.
Por outro lado, o FGTS é regido por normas e diretrizes estabelecidas por um Conselho Curador, cabendo à Caixa Econômica Federal (CEF) o papel de agente operador.
Nessa condição, cabe a ela centralizar os recursos do FGTS, aplicando-os em suas atividades precípuas compreendidas em habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana, mantendo e controlando as contas vinculadas, bem como expedindo atos normativos referentes aos procedimentos adiministrativo-operacionais dos agentes financeiros, empregadores e dos trabalhadores, integrantes do sistema do FGTS, sendo atribuída à ela, Caixa, responsabilidade pelo fiel cumprimento e observância dos critérios estabelecidos na Lei 8.036/90 (art. 8º).
Em razão disso, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL editou a CARTA CAIXA CIRCULAR nº 620, que foi atualizada pela CARTA CAIXA CIRCULAR 698, DE 17/11/2015, MANTIDO O SEU CONTEÚDO no que se refere ao CÓDIGO 86, disciplinando a movimentação das contas vinculadas do FGTS previstas na Lei 8.036/90, determinando que citada movimentação financeira obedecesse, se submetesse, aos códigos específicos nela contidos de modo que a CODIFICAÇÃO DE SAQUE do FGTS de todos os servidores públicos do Município de Tarauacá responde pelo CÓDIGO 86 de citada Carta Circular.
Isso significa dizer que o trabalhador titular da conta do FGTS terá que permanecer por três anos ininterruptos, fora do regime do FGTS, para que após esse período, a partir de seu aniversário, possa requerer o saque dos depósitos realizados em sua conta vinculada, devendo, para tanto, apresentar sua CTPS junto à Caixa (além de outros documentos complementares) onde conste o contrato de trabalho e anotação da mudança de regime trabalhista, e a inexistência de vínculo ao regime do FGTS por, no mínimo, três anos seguidos, ficando o empregador ou seu procurador outorgado eletronicamente, na obrigação de informar a movimentação definitiva do trabalhador e o respectivo código de saque, no caso, 86, providência denominada, neste caso, de “conectividade social”, sujeitando o empregador pelas penalidades previstas na legislação e em contratos firmados entre as partes, pela inobservância das normas e pela falsidade, verificadas a qualquer tempo (2.2 do Manual de Orientações do FGTS), além de responder pelo crime de fraude contra entidade de direito público, no caso, Caixa Econômica Federal, fraude essa causadora de prejuízos à coletividade, tipificada no art. 171, § 3º, do Código Penal, devendo todos os saques serem devolvidos pelo empregador, no caso de o empregado ter agido de boa fé.
Razão disso, assegura-se não haver meios administrativos idôneos que possibilitem ao servidor público municipal em debate, realizar saque dos depósitos do FGTS antes do decurso do prazo de 03 (três) anos.
Isso porque, o administrador público obedece sempre o princípio da legalidade, que é a diretriz basilar do Estado Democrático de Direito, constituindo, em verdade, sua própria qualificação, na medida em que o Estado é dito “de direito” porque nele vigora o império da lei.
A formulação mais genérica deste princípio encontra-se no inciso II do art. 5º da Constituição Federal. Lemos, no dispositivo, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”, princípio que trata de direitos fundamentais decorrentes do liberalismo do século XVIII, voltados essencialmente, portanto, à proteção dos particulares contra o Estado, e que temos como corolário deste inciso II do art. 5º que aos particulares é lícito fazer tudo aquilo que a lei não proíba, assertiva totalmente inaplicável à atividade administrativa, pois, enquanto para os particulares a regra é a autonomia da vontade, para a Adminstração a única vontade de que podemos cogitar é a vontade da lei, sendo irrelevante a vontade pessoal do administrador, por mais boa vontade que tenha, de modo que podemos afirmar que a Administração somente poderá agir no exercício de suas funções, conforme o estabelecido em lei.
No caso, inexistindo previsão legal para saque dos depósitos do FGTS em razão da mudança de regime jurídico, não há possibilidade de atuação administrativa para viabilizar tais saques, pois a vontade da Adminstração é a vontade expressa na lei, no que o administrador fica vinculado, sendo irrelevante suas opiniões ou convicções pessoais, vez que o poder vinculado apenas possibilita à Adminstração executar o ato administrativo vinculado nas estritas hipóteses legais e observando o conteúdo rigidamente estabelecido em lei, sendo que os atos eventualmente praticados em desobediência a tais parâmetros se constituem em atos nulos, cabendo à própria Administração ou ao Poder Judiciário declarar sua nulidade, com as consequências cabíveis.
Dito isso, o presente esclarecimento se consubstancia em orientação ao trabalhador, no caso, ao servidor público do Município de Tarauacá, para que procure forma adequada para viabilização de seus direitos, que deverá se dar, necessariamente, por meio de advogado de sua confiança ou mesmo atermação de reclamação trabalhista junto à Justiça do Trabalho, tanto para saque dos depósitos atualmente depositados nas contas do FGTS, quanto para regularização dos depósitos pendentes.
Tarauacá/AC, 03/04/2016.
Pinheiro Zumba
Advogado Especialista em Ciências Criminais e Especializando em Advocacia do Trabalho pela Universidade ANHANGUERA
Texto complementar:
ResponderExcluirQuando se diz da possibilidade da realização de saque do FGTS na Justiça do Trabalho, é porque mesmo contrariando parte da doutrina, o TST em sua Súmula 382 firmou entendimento de que a mudança de regime celetista em estatutário é hipótese de extinção do contrato de trabalho, equiparando-a em despedida sem justa causa, caso em que é possível a movimentação da conta vinculada ao FGTS (art. 20, inciso I, da Lei 8.036/90).
Neste caso, a equiparação feita pelo Estado-juiz por meio da interpretação sistemática da norma jurídica denominada interpretação jurídica ou usual, demonstra que o conflito pode ser resolvido conforme os fins sociais da norma e concretizando valores que levam ao bem comum, tipo de interpretação que jamais poderá ser tomada pelo administrador, que é vinculado à lei, devendo apenas seguir seu comando, sua vontade (da lei), razão pela qual, na hipótese de mudança de regime, não é possível fazer saque do FGTS pela via administrativa sem que obedecido o prazo de 3 (três) anos ininterruptos sem movimentação da conta, porque não há previsão legal para saque em prazo menor.
ERRATA: O número da CARTA CIRCULAR dita 260 ficou com a ordem numeral trocada, tratando-se, em verdade, da CARTA CAIXA CIRCULAR nº 620, que foi atualizada pela CARTA CAIXA CIRCULAR 698, DE 17/11/2015, MANTIDO O SEU CONTEÚDO no que se refere ao CÓDIGO 86.
Pinheiro Zumba - Advogado OAB/AC 3462