No Dia Mundial do Rádio, conheça a trajetória da radialista acreana que virou rainha

Em 13 de fevereiro é celebrado o Dia Mundial do Rádio, data criada em 2011 pela Unesco para homenagear a primeira transmissão radiofônica realizada pelas Nações Unidas, em 1946. Esse meio de comunicação tem o poder de percorrer milhares de quilômetros por meio de ondas sonoras eletromagnéticas, com as mais variadas informações.

Apesar dos avanços tecnológicos que a cada momento transformam as formas de interação no mundo, o rádio continua sendo um veículo popular e de grande alcance, ao levar notícias a lugares mais isolados e sem acesso a internet.

No Acre, a radiodifusão desempenha um papel de grande importância, pois trata-se de um estado localizado na Amazônia brasileira, coberto por grandes florestas e irrigado por muitos rios, com parte da população vivendo em locais remotos e de difícil acesso. É por meio desse instrumento que muitas dessas pessoas são informadas sobre o que está acontecendo no Brasil e no mundo.

Por isso, as vozes de diversos radialistas fazem parte da rotina de muitos acreanos. Cada uma delas, à sua maneira, entra no lar das pessoas e se torna familiar. A convivência diária entre as duas partes cria um vínculo e marca memórias. Entre as mais conhecidas no Acre, uma voz já é ouvida há quase 58 anos e pertence a Nilda Dantas.

Nilda Dantas é considerada a Rainha do Rádio Acreano. Foto: Pedro Devani/Secom

Início da carreira

Natural de Rio Branco, Nilda Dantas Pires é, além de radialista, poeta, escritora, frasista, jornalista e fotógrafa. Filha de Emídio de Brito Pires, carpinteiro e servidor público, e de Raimunda Dantas Pires, auxiliar de enfermagem, Nilda tinha o sonho de ser balconista ou datilógrafa, mas o destino a levou, aos 17 anos, às ondas sonoras.

Em novembro de 1967, seu caminho se cruzou com o da radiodifusão, por meio dos concorridos programas de calouros, na extinta Rádio Novo Andirá, quando passou a fazer parte da produção do programa de José Lopes, tornando-se responsável também pela leitura de poemas.

Nilda iniciou a carreira de radialista aos 17 anos. Foto: Pedro Devani/Secom

“Em uma das vindas do ex-governador do Estado e um dos donos da Rádio Novo Andirá, Wanderley Dantas, ele ouviu minha voz. A emissora estava sem voz feminina e ele falou para o diretor: ‘Chama essa moça para fazer um teste’. Então, a minha profissão como comunicadora surgiu dessa maneira. Eu fiz o teste e passei”, relembra.

O início da carreira foi difícil, devido ao preconceito de gênero e à consequente dificuldade de encontrar espaço de atuação entre os colegas de trabalho. A jornalista conta que, por ser menor de idade, seu pai a levava à rádio de madrugada para que ela pudesse ter aulas de locução: “Foi muito espinhoso. Eu tinha 17 anos e meu pai saía comigo para me levar a um estágio de leitura com o Cícero Moreira, que tinha o primeiro programa da emissora, de madrugada, porque os outros colegas que trabalhavam de dia não queriam dividir o espaço deles comigo”.

Além de apresentadora, Nilda participa da produção do seu programa. Foto: Pedro Devani/Secom

Apesar das situações de dificuldades, ela destaca pessoas que a ajudaram no início, como o futebolista e radialista Campos Pereira: “Ele sempre me ajudou e incentivou. Me colocava em programas de destaque, como fiscal de percurso de corrida pedestre, também como apresentadora de shows de artistas que vinham de fora, na narração do Sete de Setembro na avenida. Passei por toda essa experiência desafiadora”.
Rádio Difusora Acreana

A Difusora Acreana, conhecida como “A Voz das Selvas”, faz parte do cotidiano de quem ouve rádio no Acre há 80 anos. Fundada em 25 de agosto de 1944, foi, por muitos anos, o único meio de comunicação no estado, principalmente durante as décadas de 1940 e 1950, quando comunidades mais afastadas dependiam das ondas sonoras para saber não só das notícias do mundo, mas para ter acesso a informações de familiares.

Fachada da Rádio Difusora Acreana após a revitalização. Foto: José Caminha/Secom

A rádio mais antiga do Acre, recentemente, passou por uma revitalização. Em outubro do ano passado, a obra, que contou com o benefício de uma parceria entre o Executivo e a bancada federal, que, juntos, somaram investimentos de mais de R$ 850 mil, foi entregue pelo governador Gladson Cameli. Ações como essa ajudam a preservar um monumento histórico da sociedade.

Até os dias atuais, a emissora ocupa o primeiro lugar entre as rádios mais ouvidas no estado, segundo dados recentes divulgados pelo portal radios.com.br, destacando o alcance de sua programação e o vínculo afetivo com a população acreana. Vínculo esse que a radialista Nilda Dantas, entre idas e vindas, nos períodos em que esteve fora da programação, ajudou a criar desde 1971, quando passou a fazer parte da programação da Difusora.

Por meio da Voz das Selvas, Nilda ajudou a contar histórias e levar informações aos lugares mais distantes, marcando a vida de milhares de acreanos espalhados por todo o território. Com uma voz inconfundível, Nilda, que atualmente tem 74 anos de idade, continua a entrar no lar das pessoas.

Com a revitalização, a emissora ganhou um novo museu. Foto: Pedro Devani/Secom
Rainha do Rádio

Em 2023, o livro Rainhas: Retratos da Cultura Brasileira foi lançado, em São Paulo, apresentando 40 personalidades femininas com fotos e pequenas biografias. O Acre se fez presente por meio de Nilda Dantas, que ganhou o título de “Rainha do Rádio” na publicação.

“Quando eu soube, tomei um susto. Porque foi um projeto do Estado de São Paulo, onde ninguém me conhecia, só através de pesquisas feitas pelo pessoal do projeto. De repente, me vi em uma revista de circulação nacional”, conta a radialista. “Essa revista está em vários lugares, porque tem rainhas nesse projeto que jamais imaginavam que um dia seriam entrevistadas por alguém. Então, eu me senti muito feliz e honrada por essa escolha e estou aí, tocando até onde der”, completa.

Pedrarias da espuma do seu microfone formam uma coroa. Foto: Pedro Devani/Secom

Apesar de ter recebido essa honraria apenas em 2023, no Acre ela é figura importante na “monarquia” do rádio há décadas. Sendo a figura feminina mais representativa e memorável quando se fala em radiodifusão, Nilda até hoje é uma das vozes que melhor representam o serviço público de comunicação do estado.

Para Nayara Lessa, titular da Secretaria de Estado de Comunicação (Secom), Nilda Dantas é muito mais que uma simples colega de trabalho. Segundo ela, a radialista é a grande dama do rádio e, sendo uma figura feminina, exerce um papel importante na sociedade: a representatividade.

Secretária Nayara Lessa destaca importância de Nilda Dantas para a radiodifusão do estado. Foto: José Caminha/Secom

“É uma mulher que vem exercendo seu papel desde quando a mulher não tinha esse destaque no mercado de trabalho. Com o tempo, ela se adequou a todo esse novo formato no jornalismo. Para mim, como secretária e mulher que cresceu ouvindo a Nilda Dantas na Rádio Difusora, é um grande exemplo e um grande orgulho ter ela como minha colega de trabalho”, afirma Nayara Lessa.
Responsabilidade

Ao receber o título, Nilda Dantas destacou uma palavra importante para continuar desempenhando na profissão que escolheu para si: a responsabilidade. Ao longo de toda sua jornada profissional, para ela sempre foi fundamental atuar com compromisso e ética. “[O título] elevou ainda mais minha responsabilidade, pois sempre fiz questão de trabalhar com seriedade e respeito em tudo o que faço”, narra.

Nilda Dantas ajudou a construir o legado da Voz das Selvas. Foto: Pedro Devani/Secom

A afirmação ressalta o comprometimento da radialista com seu trabalho, tendo em vista que a responsabilidade e o jornalismo devem andar lado a lado, porque a informação tem um impacto direto na sociedade.

E Nilda também reforça a relação da população com os meios de comunicação, especialmente o rádio, que alcança diferentes regiões do Acre e oferece uma ampla gama de conteúdos para públicos de todas as idades.

“Quando eu fui inserida na Rede de Mulheres do Rádio do Brasil foi que percebi a importância do meu trabalho. Com isso, viajei para vários estados brasileiros, participei de várias formações, produções, de vinhetas; tudo que o governo precisava àquela época, na década de 90, eu participei. E isso me fez aumentar ainda mais meu compromisso como comunicadora”, reitera.

Na Difusora, Nilda comanda o programa Espaço do Povo, das 8h às 10h, de segunda a sexta-feira. Foto: Pedro Devani/Secom
Imortal

Em agosto do ano passado, a Academia Acreana de Letras (AAL) realizou uma sessão especial para prestar homenagem à Rádio Difusora, em comemoração aos 80 anos de atividade. Na solenidade, com a presença de amigos e colegas de profissão, Nilda Dantas recebeu uma Moção de Aplauso pelo serviço prestado à sociedade durante todos esses anos.

Além disso, também é considerada uma imortal pela AAL, ocupando a cadeira número 26. Porém, mesmo antes da honraria, Nilda Dantas já estava profundamente marcada na memória e no coração dos acreanos. Sua trajetória e legado têm impacto que atravessa gerações.

Radialista detém o título de imortal pela Academia Acreana de Letras. Foto: Pedro Devani/Secom
Legado

“Ouço Nilda Dantas já tem uns 48 anos. Eu não tinha nem minha filha mais velha. É uma pessoa muito batalhadora, especial para todo mundo. E para mim ela é uma amiga, uma irmã”.

Foi dessa forma que a microempreendedora Maria Inês Souza resolveu falar sobre Nilda Dantas. Desde a década de 70, as duas mulheres possuem uma ligação que foi construída, mesmo que de forma indireta, por meio de um único instrumento: a voz.

Do seu local de trabalho, Maria Inês acompanha a programação da Rádio Difusora. Foto: Diego Gurgel/Secom

Em um momento em que figuras femininas não tinham visibilidade, Nilda Dantas chegou para fazer a diferença e se tornou um espelho para muitas adolescentes e mulheres adultas que sonhavam em ter uma voz social e viram nela essa possibilidade, como afirma Maria Inês: “Ela sempre foi tudo para muitas mulheres. Ela ensina e ajuda, e isso é muito importante para nós”.

Nilda Dantas é sinônimo de representatividade. Foto: Pedro Devani/Secom

Longevidade

“O rádio tem uma função primordial dentro da sociedade acreana. Hoje, a internet tem dominado vários meios de comunicação nos grandes centros, mas, em nosso estado, a radiodifusão cumpre um papel social de uma maneira muito efetiva. E é um dever do Estado levar as informações sobre os mais diversos assuntos”, afirma a secretária Nayara Lessa.

A radiodifusão, mesmo com o avanço da internet e das novas tecnologias, continua sendo um meio de comunicação resiliente e relevante. Sua longevidade se deve à acessibilidade e à instantaneidade, e seja no carro, no celular ou em plataformas online, segue informando, entretendo e conectando pessoas, provando sua força.

“Eu acho que é incomparável a importância do rádio, porque ele vem desde a formação infantil e leva até a vida adulta, já bem longeva das pessoas. Eu acho que sem a voz, a vida dessas pessoas ficaria um pouco em preto e branco”, observa.

Ela é a voz das selvas. Foto: Pedro Devani/Secom

Assim como as transmissões radiofônicas, Nilda Dantas também tem uma vida duradoura e atravessa gerações. Mas, para ela, a idade é apenas um número e, enquanto tiver saúde, promete continuar trabalhando no processo de democratização da informação: “Porque vitamina tenho bastante para seguir”.

por Agência/Acre

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