MINISTÉRIO PÚBLICO EMITE RECOMENDAÇÃO VISANDO MEDIDAS DE COMBATE A DENGUE EM TARAUACÁ



Procedimento Administrativo nº: 09.2021.00000020-1.

 

 

RECOMENDAÇÃO N° 01/2024/PJCÍVEL/TARAUACÁ

 

 

Assunto: Recomendação visando medidas preventivas e de combate à dengue no município de Tarauacá, considerando a necessidade de publicidade à sociedade acerca das estratégias primordiais de atuação do poder público municipal e da recente alta significativa de atendimentos no Hospital Geral Dr. Sansão Gomes.

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE, por meio do Promotor de Justiça Dr. Júlio César de Medeiros Silva, Titular da Promotoria Cível da Comarca de Tarauacá, com fundamento no art. 129, incisos I, II e III da Constituição Federal, no art. 117, III da Constituição do Estado do Acre, na Lei Federal n° 7.347, de 24 de julho de 1985, na Lei Federal n° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, e Lei Complementar Estadual nº 08/1983; e

 

CONSIDERANDO ser o Ministério Público a instituição legitimada a promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, conforme dispõe o artigo 129 da Constituição Federal;

 

CONSIDERANDO que incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do artigo 127 da Constituição Federal;

CONSIDERANDO que o art. 196, da Constituição Federal, dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitários às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação;

CONSIDERANDO que a saúde é direito fundamental do ser humano, do qual decorre um direito subjetivo especial de conteúdo duplo, de natureza negativa e positiva, podendo-se exigir do Poder Público tanto que se abstenha da prática de quaisquer atos que prejudiquem a saúde quanto o cumprimento de prestações de ações e serviços;

 

CONSIDERANDO que são diretrizes do Sistema Único de Saúde a descentralização, a integralidade e a participação da comunidade, e que, nos termos do art. 2º, da Lei nº 8080/1990, a saúde é direito fundamental do ser humano, devendo o Estado promover as condições indispensáveis a seu pleno exercício;

CONSIDERANDO, ainda, que a mencionada Lei, em seu art. 5º, estabelece como objetivos do Sistema Único de Saúde - SUS a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do dever do Estado de garantir a saúde, consistente na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação;

CONSIDERANDO, noutro viso, o disposto no art. 225, da Constituição Federal, no seguinte sentido:

"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações"; (destacamos)

CONSIDERANDO que a dengue tem se alastrado no município de Tarauacá e está associada, sobretudo, ao acondicionamento indevido de materiais nos interiores de residências, casas, empresas, firmas, enfim, propriedades privadas, com o aumento significativo do risco de contração da doença, em razão da FALTA DE CONTROLE DOS FOCOS, encravados em tais locais, muitas vezes inacessíveis aos Agentes Comunitários de Saúde e/ou Agentes de Endemias ou Vigilância Sanitária e pelos encarregados pelo Poder Público de retirar referidos materiais;

CONSIDERANDO as notícias no sentido de que proprietários/possuidores/detentores de imóveis estariam se omitindo, obstruindo, ou mesmo impedindo o acesso às propriedades privadas, da Defesa Civil e da Vigilância Sanitária, nas ações de combate ao mosquito da dengue;

CONSIDERANDO que a eficácia da prevenção da dengue pela Vigilância Epidemiológica para a descoberta e combate dos focos do Aedes aegypti, depende do acesso dos agentes sanitários aos ambientes privados;

 

CONSIDERANDO que a dengue já é considerada uma pandemia e constitui grave problema de saúde pública no Brasil, exigindo gastos públicos consideráveis com o tratamento das doenças decorrentes;

CONSIDERANDO que a dengue deve ser combatida em todas as suas frentes e usando todos os meios necessários para garantir a saúde pública;

CONSIDERANDO que a atuação do poder público no aspecto da vigilância epidemiológica constitui o que se chama de interesse público em sentido forte, prevalecendo-se sobre o interesse simples;

 

CONSIDERANDO, nesse contexto, que, para a devida proteção e a defesa da saúde (competência comum de todos os entes federativos), a Constituição Federal concede ao poder público as atribuições de "executar ações de vigilância sanitária e epidemiológica" (art. 200, inciso II);

 

CONSIDERANDO que o dever de atender às imposições da autoridade sanitária destinadas ao controle de doenças transmissíveis está expresso na Lei nº 6.259/75, na medida em que "as pessoas físicas e as entidades públicas ou privadas[...] ficam sujeitas ao controle determinado pela autoridade sanitária" (art. 13);

 

CONSIDERANDO que, consoante Portaria SVS/MS nº 29 de 11 de julho de 2006, caracteriza-se a situação de iminente perigo à saúde pública quando for constatada a presença do mosquito transmissor da Dengue – o Aedes aegyptiem 1% (um por cento) ou mais dos imóveis do município, da localidade, do bairro ou do distrito (art. 1º);

 

CONSIDERANDO ser competência do Município de Tarauacá e da Secretaria Municipal de Saúde a execução de serviços públicos de vigilância epidemiológica, conforme art. 18, IV, alínea "a", da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990;

 

CONSIDERANDO, ainda, que a responsabilidade compartilhada entre a sociedade, setor produtivo e setor público é o caminho para a construção de modos de vida que tenham como objetivo central a promoção da saúde e a prevenção de doenças;

CONSIDERANDO, neste sentido, que cabe ao Ministério Público zelar pelos direitos metaindividuais, pela defesa dos interesses sociais e indisponíveis da sociedade, sendo função institucional "zelar pelo efetivo respeito aos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionalmente assegurados" (art. 129, inciso II, da Constituição Federal);

CONSIDERANDO as disposições do Programa Nacional de Controle da Dengue – PNCD, instituído em 24 de julho de 2002, por meio da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA[1];

 

CONSIDERANDO a publicação, pela FUNASA, em dezembro de 2002, reeditada em 2006, de considerações tendentes a conferir amparo legal à execução das ações de campo para imóveis fechados, abandonados ou com acesso não permitidos pelo morador[2];

 

CONSIDERANDO o Manual de Normas Técnicas, de 2001, também da FUNASA[3];

 

CONSIDERANDO que a Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, define, em seu art. 3º, inciso III, alínea "a", poluição como "a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população";

CONSIDERANDO que a Lei nº 9.605/1998, no Capítulo V "Dos Crimes Contra o Meio Ambiente", Seção III "Da Poluição e Outros Crimes Ambientais", tipifica como crime no art. 54:

"Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora"; (destacamos)

CONSIDERANDO que causar perigo para a vida ou saúde de outrem configura o crime disposto no art. 132 do Código Penal Brasileiro "expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente";

CONSIDERANDO, também, que, segundo o art. 144, caput, da Constituição Federal, "a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio...";

CONSIDERANDO os preceitos da notória Lei Federal n° 13.301/2016, no tocante à adoção de medidas de vigilância em saúde quando verificada situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do mosquito transmissor do vírus da dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika, a qual autoriza e determina e execução das medidas necessárias ao controle das doenças causadas pelos referidos vírus;

CONSIDERANDO que a Prefeitura de Tarauacá pode promover o INGRESSO FORÇADO em imóveis públicos e particulares, no caso de situação de abandono, ausência ou recusa de pessoa que possa permitir o acesso de agente público, regularmente designado e identificado, quando se mostre essencial para a contenção das doenças, independente de autorização judicial, tendo-se em vista que a lei de combate à dengue e zika autoriza expressamente tal medida no art.1º, §1º, inciso IV, da Lei federal nº 13.301/2016, bem como comprovar a aplicação de MULTA, nos termos da legislação municipal.

CONSIDERANDO, a nível local, o preceituado na Lei Municipal nº 810/2014, que estabelece o Código Sanitário do Município de Tarauacá, notadamente, em seu art. 1º dispõe sobre a regulação dos "direitos e obrigações que se relacionam com a saúde e o bem-estar individual e coletivo dos seus habitantes e aprova normas sobre promoção, prevenção e proteção da saúde, no que concerne às atribuições da Vigilância Sanitária Municipal";

 

CONSIDERANDO que a dengue deve ser combatida em todas as suas frentes e usando TODOS OS MEIOS NECESSÁRIOS PARA GARANTIR A SAÚDE PÚBLICA,

 

Diante do aumento de casos de dengue, chikungunya e Zika, o Ministério da Saúde lançou campanha nacional para o combate das arboviroses. Com a mensagem “Brasil unido contra a dengue, Zika e chikungunya”, a mobilização alerta sobre os sinais e os sintomas das doenças, além de formas de prevenção e controle do mosquito Aedes Aegypti;

 

CONSIDERANDO, como já referido, que os agentes públicos de controle de endemias e agentes comunitários de saúde encontram dificuldades de adentrar em imóveis particulares e/ou abandonados, seja pela recusa do proprietário, possuidor, morador, ou, pelo fato dos imóveis estarem fechados no momento das visitas, o que, à obviedade, compromete o êxito dos programas de prevenção e controle da dengue;

CONSIDERANDO que, como visto, para que os programas de controle da dengue tenham sucesso, se faz necessária a utilização de instrumentos legais que facilitem o trabalho do poder público na eliminação de "criadouros" em imóveis fechados, estabelecimentos comerciais, quando existe resistência por parte do morador, bem como em casas abandonadas, dentre outras hipóteses;

CONSIDERANDO ainda, para evitar a ocorrências de epidemias de dengue consiste no combate ao vetor dessa doença, o mosquito Aedes aegypti, deve ocorrer com a EFETIVA PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO E A VISITA DOMICILIAR em todos os imóveis (100% - cem por cento) do Município, objetivando a eliminação dos potenciais criadouros do mosquito e a aplicação de larvicidas em recipientes que acumulam água e não são passíveis de eliminação, além de outras atuações do poder público;

 

CONSIDERANDO por fim, que a inobservância de sujeição às ações de vigilância epidemiológica, nos limites legais, implicam em consequências normativas, na medida em que, de acordo com o art. 10 da Lei nº 6.437/77, constituem infrações sanitárias, entre outras, "impedir ou dificultar a aplicação de medidas sanitárias relativas às doenças transmissíveis [...]" (inc. VII), "obstar ou dificultar a ação fiscalizadora das autoridades sanitárias competentes no exercício de suas funções" (inc. X), assim como a "inobservância das exigências sanitárias relativas a imóveis, pelos seus proprietários, ou por quem detenha legalmente a sua posse" (inc. XXIV);

 

CONSIDERANDO a instauração do Procedimento Administrativo nº 09.2021.00000020-1, a partir da Portaria nº 01/2021, publicada no Diário Eletrônico do Ministério Público do Estado do Acre no dia 19 de janeiro de 2021, cujo objeto consiste especificamente em verificar e acompanhar o planejamento e as ações de controle de dengue no Município de Tarauacá/AC;

CONSIDERANDO, agora mais especificamente, que a Lei Municipal n. 810/2014 instituiu o Código Sanitário do Município de Tarauacá, o qual prevê a imposição de MULTAS em casos de infrações sanitárias, inclusive, no valor em dobro para a situação de reincidência específica, sendo digno de registro o procedimento para a cobrança, in verbis:

Art. 144 - As infrações sanitárias, sem prejuízo das sanções de natureza civil ou penal cabíveis, serão punidas, alternativa ou cumulativamente com:

I - Advertência;

II - Multa;

III - Apreensão de produtos, substâncias ou matérias-primas;

V - Inutilização de produtos, substâncias ou matérias-primas;

V - Suspensão de venda ou fabricação do produto;

VI – Interdição total ou parcial, temporária ou definitiva do estabelecimento;

(...)

Art. 145 - A pena de multa nas infrações consideradas leves, graves ou gravíssimas, a critério de autoridade sanitária, consiste no pagamento de soma em dinheiro, fixada em valores reais, com base na Unidade Fiscal Padrão do Município de Tarauacá – UPMF - vigente à época do cometimento da infração, na proporção de:

I - Infrações leves, de 136 a 272 UPMF;

II - Infrações graves, de 273 a 818 UPMF;

III - Infrações gravíssimas, de 820 a 2.728 UPMF.

Parágrafo Único - No caso de reincidência específica, as multas previstas neste Código serão aplicadas em valor correspondente ao dobro da multa anterior, não excedendo o valor máximo correspondente a 5.456 (cinco mil e quatrocentos e cinquenta e seis) UPMF.

Art. 146 - As multas impostas em razão da infração sanitária poderão sofrer redução de 20% (vinte por cento), caso o pagamento seja efetuado no prazo de 20 (vinte) dias, contados da data em que o infrator for notificado da decisão que lhe imputou a referida penalidade, implicando desistência tácita de recurso.

Art. 147 – Quando aplicada pena de multa e não ocorrer o seu pagamento ou interposição de recurso, a decisão será publicada nos meios oficiais e em seguida o infrator será notificado para recolhê-la no prazo de 30 (trinta) dias.

Art. 148 – A falta de recolhimento do valor da multa, após a decorrência dos prazos legais, inclusive para interposição de recurso, ensejará cobrança judicial, com atualização dos valores pelo Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC. (destacamos).

 

CONSIDERANDO, a necessidade imperiosa de prévia notificação dos proprietários de terrenos baldios ou com depósito de lixo, para que tomem as providências quanto à limpeza, sob pena de MULTA a ser aplicada pela Prefeitura, e consequente limpeza pela Secretaria Municipal respectiva, sem prejuízos das demais medidas judiciais cíveis e criminais cabíveis, estas últimas sob atribuição da Promotoria de Justiça Criminal de Tarauacá, promotor natural para tanto;

 

CONSIDERANDO ser competência do Estado do Acre e da Secretaria Estadual de Saúde a coordenação e a execução em caráter complementar, de ações e serviços de vigilância epidemiológica, conforme art. 17, IV, alínea a, da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990;

 

CONSIDERANDO que às fls. 309-316, consta o OF/HSG/ADM N. 05/2024, datado de 06/02/2024, por meio do qual a Gerência do Hospital informou que houve uma elevação substancial dos números de atendimentos prestados à população pelo Hospital Dr. Sansão Gomes, motivo pelo qual sugeriu à Rede de atenção básica a instalação de uma unidade "sentinela" para prestar os devidos atendimentos;

 

CONSIDERANDO que, face à urgência, este promotor de Justiça realizou contato direto com a SESACRE, especialmente, com o Secretário Estadual de Saúde, Dr. Pedro Pascoal, e com o chefe do Departamento de Vigilância em Saúde da SESACRE, Sr. Edvan Ferreira de Meneses, inclusive, um dos responsáveis pela elaboração da NOTA DE ALERTA nº 01/2023-NDT/DVA/DVS/DRAS/SESACRE, sendo que, em suma, ambas autoridades reforçaram a importância da criação de unidade "sentinela" pelo Município, além do próprio controle mecânico, conforme consta no ANEXO I do supracitado documento, in verbis:

 

RECOMENDAÇÕES AOS GESTORES MUNICIPAIS DE SAÚDE:

 

Adequar a quantidade de agentes para a intensificação das ações de visitas domiciliares e mutirões de limpeza, remoção de criadouros, vistorias em Pontos Estratégicos e mobilização com a população, uma vez que as medidas de controle mecânico oferecem melhor resposta na redução da população de mosquitos, e oferecem menor risco ao ambiente;

 

(...)

 

Organizar os serviços de saúde definindo uma unidade de referência de melhor acesso para atendimento dos pacientes, com horário estendido, bem como a disponibilização de medicamentos e outros insumos em quantidade suficiente. A maioria dos casos de arboviroses não exigem internação, portanto, as unidades de Atenção Básica devem se organizar para atender a maior parte da demanda; (destacamos)

 

 

CONSIDERANDO que, realizado contato com a Coordenadora da Atenção Básica do município de Tarauacá, Sra. Janaína Arcênio, informou-se que o município, de fato, não abriu "sentinela", mas segundo informado, estaria atendendo toda a demanda que aparece, realizando exames solicitados de acordo com a sintomatologia do paciente.

 

CONSIDERANDO que o chefe do Departamento de Vigilância em Saúde da SESACRE destacou que a ação primordial estratégia no combate à dengue é o CONTROLE VETORIAL do mosquito, com controle mecânico de criadouros e uso de larbicidas em águas paradas, evitando-se a proliferação do mosquito, com atuação incisiva dos Agentes de Combate a Endemias e a dispensação de inseticida.

 

CONSIDERANDO que em relação ao fornecimento de inseticidas, para realização do chamado "fumacê", o chefe da Vigilância em Saúde da SESACRE informou que está preparando uma Nota Técnica para estabelecer os critérios para sua liberação aos municípios, haja vista serem necessários dados epidemiológicos específicos dos bairros com grande nível de casos e também com o índice de infestação predial, bem como deve haver uma área delimitada do município para sua dispensação, sob pena de se configurar eventual crime ambiental (art.54, §2º, inciso II, da Lei nº 9.605/98);

 

CONSIDERANDO que foi esclarecido que o exame do ZDC (zika, dengue e chikungunya) é realizado apenas pelos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN-AC) e pelos Laboratórios de Fronteiras (LAFRONS-AC), havendo unidades físicas apenas nos municípios de Rio Branco/AC, em Brasiléia/AC e em Cruzeiro do Sul/AC, porém, todos os municípios enviam a estas unidades descentralizadas as amostras para a realização dos exames, inclusive, em Cruzeiro do Sul já há um equipamento automático para "rodar" muitos exames ao mesmo tempo;

 

CONSIDERANDO a necessidade de se tentar "desafogar" o número de atendimentos no Hospital Geral Dr. Sansão Gomes, e evitar eventuais demoras consideráveis no atendimento da própria sociedade, com filas de esperar que pode demorar horas dada a limitação de profissionais médicos naquele local, bem como a estatística de classificação de risco (verde e azul) desses atendimentos, enquanto o aludido Hospital se dedica a casos de urgência e emergência;

 

CONSIDERANDO que os níveis de atenção e assistência à saúde no Brasil são estabelecidos pela Portaria nº 4.279 de 30 de dezembro de 2010, que estabelece as diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo eles: atenção primária, atenção secundária e terciária;

 

CONSIDERANDO que é na atenção primária à saúde que encontram-se as Unidades Básicas de Saúde (UBS), conhecidas como postos de saúde, que são as portas preferenciais de entrada do usuário no SUS, onde a maioria dos problemas de saúde podem ser resolvidos;

 

CONSIDERANDO que a atenção especializada é dividida em dois elementos (atenção secundária e terciária), que são, respectivamente, média e alta complexidade (ambulatorial e especializada hospitalar);

 

CONSIDERANDO que a Rede de Atenção às Urgências tem como objetivo reordenar a atenção à saúde em situações de urgência e emergência de forma coordenada entre os diferentes pontos de atenção que a compõe, de forma a melhor organizar a assistência, definindo fluxos e as referências adequadas;

 

CONSIDERANDO que o Hospital faz parte da atenção especializada ligada a rede de urgência e emergência, e que, nessa ambiência, a Portaria nº 354, de 10 de março de 2014, Anexo, traz a definição de urgência e emergência no item 2, cito abaixo:

 

2.1 Emergência: Constatação médica de condições de agravo a saúde que impliquem sofrimento intenso ou risco iminente de morte, exigindo portanto, tratamento médico imediato.

 

2.2 Urgência: Ocorrência imprevista de agravo a saúde como ou sem risco potencial a vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata.

 

CONSIDERANDO que o cidadão ao chegar na unidade hospitalar com quadro clínico “leve” o tempo de espera de atendimento fica mais prolongado, uma vez que existem os pacientes em condições clínicas mais urgentes;

 

CONSIDERANDO que no Brasil, a classificação de risco é um mecanismo que visa melhorar os atendimentos de urgência e emergência onde utiliza-se o Protocolo de Manchester, que baseia-se em cinco cores para identificar o grau de cada paciente, sendo elas: vermelho, laranja, amarelo (casos mais graves - atendidos na rede de urgência e emergência ) e verde e azul (casos leves -atendidos preferencialmente nas Unidades Básicas de Saúde );

 

CONSIDERANDO que as Unidades Básicas de Saúde (postos de Saúde) garantem o atendimento dos pacientes com suspeita de dengue, zika e chikungunya para o diagnóstico, manejo clínico e assistência;

 

CONSIDERANDO que ao surgimento dos primeiros sintomas de dengue como: febre, dores nas articulações, manchas vermelhas na pele, coceira e vermelhidão nos olhos, o cidadão deve procurar de imediato a Unidade Básica de Saúde (postos de saúde) a fim de evitar complicação em seu quadro clínico;

 

CONSIDERANDO que, como se sabe, a Atenção Básica tem seu papel de suma importância nas Unidades Básicas de Saúde e que durante os meses de inverno, onde se apresenta elevados índices pluviométricos, ocorre o surgimento de aumento de casos de arbovirores (dengue, zika, chikungunyia);

 

CONSIDERANDO que  o LIRA (Levantamento de infestação de Aedes Aegypti) é de responsabilidade do Município, e é a partir desse documento que se verifica dados essenciais sobre a dengue, principalmente, onde estão as infestações, e em quais residências;

 

CONSIDERANDO, por fim o estado de emergência[4] em saúde pública do estado do Acre no combate à dengue, visando adotar medidas urgentes e, principalmente, a fim de informar a sociedade sobre a importância do CONTROLE VETORIAL como uma estratégia primordial no combate à dengue com o consequente controle mecânico de "criadouros" com uso de larvicida em águas paradas, evitando-se, por exemplo, que um único mosquito Aedes Aegypti  coloque cerca de 450 (quatrocentos e cinquenta) ovos e multiplique consideravelmente o número de vetores;

 

CONSIDERANDO que, conforme assinalado pelo Chefe da Vigilância em Saúde da SESACRE, o controle vetorial tem que deve priorizar o cotrole mecânico com os ACE e, apenas depois, o controle químico com uso de inseticida.

 

RESOLVE RECOMENDAR:

 

1. AO MUNICÍPIO DE TARAUACÁ, por meio da Excelentíssima Senhora Prefeita Maria Lucinéia Nery de Lima Menezes (ou autoridade que estiver em exercício como Prefeito):

 

a) Dentro das esferas de responsabilidades que é inerente a cada um, que promova, o mais rápido possível, todas as ações necessárias no combate à dengue e outras doenças, determinando a limpeza de terrenos abandonados em Tarauacá, objetivando reverter o quadro atual, de modo a garantir a saúde pública de todos os habitantes deste Município, conforme indicado pelas normas técnicas vigentes, promovendo-se NOTIFICAÇÕES de proprietários;

b) Caso a Notificação anterior não seja atendida no prazo assinalado, que promova o INGRESSO FORÇADO em imóveis públicos e particulares, no caso de situação de abandono, ausência ou recusa de pessoa que possa permitir o acesso de agente público, regularmente designado e identificado, quando se mostre essencial para a contenção das doenças, independente de autorização judicial, tendo-se em vista que a lei de combate à dengue e zika autoriza expressamente tal medida no art.1º, §1º, inciso IV, da Lei federal nº 13.301/2016, bem como comprovar a aplicação de MULTA, nos termos da legislação municipal.

 

c) Que adeque a QUANTIDADE DE AGENTES para a intensificação das ações de visitas domiciliares e mutirões de limpeza, remoção de criadouros, vistorias em Pontos Estratégicos e mobilização com a população, uma vez que as medidas de controle mecânico oferecem melhor resposta na redução da população de mosquitos, e oferecem menor risco ao ambiente, priorizando-se o controle mecânico com os ACE e, depois, o controle químico com uso de inseticida;

 

d) Que sejam organizados os serviços de saúde definindo uma UNIDADE DE REFERÊNCIA de melhor acesso para atendimento dos pacientes, com horário estendido ("unidade SENTINELA"), bem como a disponibilização de medicamentos e outros insumos em quantidade suficiente, vez que a maioria dos casos de arboviroses não exigem internação, portanto, as unidades de Atenção Básica devem se organizar para atender a maior parte da demanda;

 

e) Que realize o tratamento focal, com larvicidas, nos depósitos de água de consumo humano passíveis de tratamento;

 

f) Que envolva os setores parceiros (educação, meio ambiente, defesa civil, planejamento, assistência social, etc.) nas ações de controle vetorial;

 

g Que realize ações de bloqueio de transmissão, tão logo sejam detectadas as primeiras notificações de casos suspeitos de arboviroses;

 

h) Que seja determinado a todas as equipes de saúde de todas as unidades estejam atentas a qualquer situação fora da rotina, e prepará-las para o manejo clínico adequado de pacientes com suspeita de arboviroses, de maneira a reduzir os riscos de agravamento dos pacientes, evitar óbitos, bem como a sobrecarga na assistência;

 

i) Que seja realizada a notificação de arboviroses mediante a suspeita clínica, bem como o preenchimento da FICHA DE NOTIFICAÇÃO, com garantia de coleta de sangue para a realização de exames específicos, observando o fluxo estabelecido pelo LACEN, sendo que os óbitos suspeitos ou confirmados são de notificação imediata, em até 24 horas;

 

j) Que seja realizada a COLETA, armazenamento e transporte das amostras para exame de ZDC conforme protocolo do LACEN;

 

k) Que seja disponibilizada água potável em todas as unidades de saúde, de modo que todos os pacientes possam iniciar a hidratação oral enquanto aguardam atendimento;

 

l) Que seja elaborado um fluxo diário de coleta das notificações nas unidades de saúde e digitação oportuna no SINAN, de maneira a subsidiar as ações de controle vetorial e de assistência;

 

l) Que seja realizada CAMPANHA preventiva e orientativa à sociedade, visando o combate mais efetivo à dengue, em alinhamento com a campanha nacional, a ser realizada na rádio, internet (página oficial da Prefeitura de Tarauacá), carros de som e em locais de grande circulação de pessoas pelo município, fortalecendo a concepção do compromisso da sociedade com slogans como: "estamos todos juntos contra a dengue", e que "todo dia é dia de combater o mosquito", cujo objetivo é prevenir a proliferação dos focos do Aedes aegypt;

 

m) Que sejam atualizadas e implementadas as medidas previstas nos Planos de Contingência do município, instrumento norteador para a tomada de decisão;

 

2. ÀS COORDENADORIAS DE VIGILÂNCIA DO MUNICÍPIO e à COORDENADORIA DE DEFESA CIVIL DO MUNICÍPIO, que assumam e prossigam com seus agentes responsáveis e com capacidade técnica e profissional às ações imediatas e permanentes de combate à dengue e outras doenças, utilizando o Poder de Polícia inerente a cada Órgão, objetivando garantir a saúde pública, adentrando em todos os imóveis privados, com a anuência do seu proprietário, no intuito de efetivar o combate ao mosquito da dengue, observado o período de descanso noturno - horário das 18:00 às 06:00 da manhã do dia seguinte, afim de evitar uma calamidade pública;

 

3. ÀS SECRETARIAS MUNICIPAIS DE MEIO AMBIENTE E DE  OBRAS, que realizem, em conjunto, vistorias e limpezas nas áreas verdes e demais áreas de domínio público da cidade de Tarauacá, bem como dos terrenos privados que estejam em situação de "abandono" ou com verdadeiros "criadouros" de mosquitos, Notificando os proprietários previamente, e caso não haja providências, seja aplicada a MULTA e, consequentemente, realizada a limpeza diretamente pelo Poder Público;

Inclusive, nesta particular, destaco que há um Drone disponível com o 7º BPM em Tarauacá/AC, o qual pode ser perfeitamente utilizado para identificar eventuais caixas d'água descobertas em determinadas localidades do município, podendo ser realizados registros fotográficos para fins de subsidiar eventual Notificação do proprietário, providência esta a ser executada em parceria com a PM/AC e as Secretarias Municipais supracitadas, conforme interesse/necessidade pelo Gestor da pasta;

 

4. À SECRETARIA MUNICIPAL DE OBRAS, para que, a partir da demanda de moradores que demonstrem estar organizados no sentido de combater a DENGUE, especialmente no que respeita ao recolhimento de lixo, entulhos e demais resíduos sólidos decorrentes da limpeza de terrenos, quintais e demais áreas, providencie de imediato tal medida;

5. A TODOS OS PROPRIETÁRIOS, LOTEADORES, IMOBILIÁRIAS, POSSEIROS, MORADORES ou DETENTORES PRECÁRIOS de imóveis urbanos, situados no Município de Tarauacá:

5.1 Para que conservem os seus imóveis limpos e asseados, como é sua obrigação legal, como medida necessária à proteção do meio ambiente e à prevenção e combate à dengue, alertando que a saúde pública, como interesse de toda coletividade, deve prevalecer sobre o interesse particular;

5.2 Para que permitam o ingresso dos agentes públicos devidamente credenciados e identificados em seus imóveis, inclusive, no interior das casas, estabelecimentos industriais, comerciais, escritórios, etc., onde possam executar a borrifação e outras ações necessárias de combate à dengue e outras doenças.

5.3 ADVERTE-SE, outrossim, que a contrariedade ao recomendado nos itens 5.1 e 5.2 por parte dos proprietários, loteadores, imobiliárias, posseiros, moradores ou detentores precários de imóveis urbanos localizados neste Município de Tarauacá, e que estejam expondo a sociedade a risco a saúde da coletividade, PODERÁ ENSEJAR a prática dos crimes previstos no art. 132, do Código Penal, que criminaliza a conduta de expor a perigo a vida e a saúde de outrem, com pena de 03 (três) meses a 01 (um) ano; no art. 268, do mesmo Código, que trata da "Infração de Medida Sanitária Preventiva", com pena de 01 (um) mês a 01 (um) ano de detenção e multa; e, caso devidamente Notificado e descumpridas as providências determinadas diretamente por autoridade pública, no art. 330, do Código Penal, que trata do "Crime de Desobediência", com pena de 15 (quinze) dias a 06 (seis) meses de detenção e multa,  cabendo, até mesmo, a prisão e encaminhamento ao Juizado Especial Criminal, a serem apurados pela Promotoria de Justiça Criminal de Tarauacá, sem prejuízo, evidentemente, da responsabilidade administrativa e do ajuizamento da competente ação civil pública.

6. AO MUNICÍPIO DE TARAUACÁ, que informe ao Ministério Público de Tarauacá, com a máxima brevidade possível:

6.1 Com relação aos imóveis em situação de abandono, os terrenos baldios transformados em matagais e depósitos de lixo, aqueles nos quais tenha sido detectada a existência de focos do mosquito Aedes Aegypti, em virtude da omissão por parte dos moradores e responsáveis das medidas preventivas tendentes ao seu extermínio, com a devida identificação dos responsáveis, através do encaminhamento dos Autos de Infração Administrativa;

6.2 Nos casos de impedimento por parte do morador de ingresso ao interior do imóvel de agentes municipais de combate a endemias, no estrito cumprimento do seu dever, que seja certificado esses obstáculos, identificando os endereços e tipos de empecilho, encaminhando ditas certificações ao Ministério Público para que sejam tomadas as providências tendentes à responsabilização criminal dos infratores;

6.3 Que remeta ao Ministério Público, periódica e regularmente, os Boletins Informativos sobre a Dengue.

7. À POLÍCIA MILITAR E POLÍCIA CIVIL, AO CORPO DE BOMBEIROS, Á SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE, À SECRETARIA MUNICIPAL DE OBRAS, À SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE, para dar o necessário apoio se solicitado pelos órgãos competentes.

8. Seja apresentado ao MINISTÉRIO PÚBLICO por todas as Secretarias e Órgãos anteriormente indicados, no prazo de 30 (trinta) dias, relatório das providências adotadas;

Por fim, ADVERTE a todos os Órgãos Públicos e Secretarias anteriormente indicados que o não cumprimento da presente RECOMENDAÇÃO, com a tomada das devidas providências, implicará no ajuizamento da competente Ação Civil Pública, cumulado com obrigação de fazer e imposição de multa diária, com fulcro no art.1º, incisos I (meio ambiente) e IV (qualquer outro interesse difuso ou coletivo) e art.3º c/c art.11, parte final[5], da Lei nº 7.347/85;

 

Encaminhe-se cópia da presente RECOMENDAÇÃO especialmente para:

 

1 - a Excelentíssima Prefeita do Município de Tarauacá; 2 - ao Excelentíssimo Senhor Corregedor-Geral do Ministério Público; 3 - ao Coordenador de Vigilância Sanitária do Estado do Acre; 4 - ao Coordenador da Defesa Civil do Município; 5 - ao Comandante da Polícia Militar; 6 - ao Comandante do Corpo de Bombeiro Militar; 7 - ao Delegado Geral de Polícia Civil; 8 - ao Presidente da Câmara de Vereadores do Município de Tarauacá; 9 - a Secretaria Municipal de Saúde; 10 - ao Coordenador do Departamento de Vigilância Sanitária do Município de Tarauacá; 11 - a Secretaria Municipal de Obras Públicas; 12 - a Secretaria Municipal de Meio Ambiente; 13 – a Direção do Hospital Geral de Tarauacá; 14 - a Assessoria de Comunicação do Ministério Público do Estado do Acre.

Registre-se.

Publique-se no Diário Oficial, nos Jornais locais, na página eletrônica do Ministério Público, na sede deste Parquet, bem como seja dada a mais ampla divulgação possível nos demais meios de comunicação.

                        

                                Tarauacá/AC, 15 de fevereiro de 2024.

 

 

 

 

                                    Júlio César de Medeiros Silva

                                           Promotor de Justiça

(Assinatura Digital, nos termos do Art.1º, § 2º, III, “a”, da Lei nº 11.419/06)



[1] http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pncd_2002.pdf

[2] http://bvsms.saude.gov.br/bvs/politicas/programa_nacional_controle_dengue.pdf

[3] http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/funasa/man_dengue.pdf

[4] Disponível em: https://ac24horas.com/2024/02/02/acre-e-mais-tres-estados-tem-os-maiores-indices-de-incidencia-de-casos-de-dengue-no-brasil/

[5] Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor. (destacamos)

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