Ex-astrólogo foi por mais de duas décadas um dos principais promotores de teorias conspiratórias no Brasil. Muitas vezes adaptando material dos EUA, ajudou a formar uma geração de extremistas e alimentou o bolsonarismo.
Olavo de Carvalho, que morreu nesta segunda-feira (24/01) aos 74 anos, foi por mais de duas décadas um dos principais disseminadores de fake news e teorias conspiratórias no Brasil.
Ex-astrólogo que passou quase cinco décadas na obscuridade, Olavo começou a ganhar notoriedade na segunda metade dos anos 1990, quando passou a se apresentar como filósofo e aos poucos começou a conquistar adeptos entre direitistas, conservadores e extremistas em geral, que procuravam obter algum verniz intelectual ou que se sentiam isolados nas universidades, encaradas por eles como "antros da esquerda".
Sem jamais ter concluído um curso formal na universidade, Olavo adotou inicialmente uma abordagem de duas frentes para construir sua influência.
Por um lado, apresentava pensadores estrangeiros que eram pouco conhecidos no Brasil – como René Girard e Eric Voegelin –, e resgatava esquecidos autores conservadores brasileiros – como Mário Ferreira dos Santos e Otto Maria Carpeaux. A tática lhe conferiu entre alguns grupos uma aura de sábio revelador de um conhecimento secreto que teria sido sonegado pela "esquerda".
Por outro lado, com a tática, Olavo aproveitava para incutir em seus seguidores uma visão conspiracionista, atribuindo os males do Brasil e do Ocidente ao "marxismo cultural".
Teorias conspiratórias
Olavo foi pioneiro na divulgação no Brasil desse conceito enganoso, elaborado por ultradireitistas dos EUA ligados a Lyndon LaRouche no início dos anos 1990 e que empresta elementos de velhas teorias conspiratórias antissemitas.
De acordo com os adeptos da teoria conspiratória do "marxismo cultural", intelectuais da Escola de Frankfurt elaboraram um plano de "guerra cultural" para conquistar a hegemonia no campo das ideias com o objetivo de minar a cultura ocidental – um plano que teria sido mantido pela esquerda mesmo após o fim da Guerra Fria.
Olavo não se limitou a meramente divulgar a delirante teoria elaborada nos EUA, mas também a adaptou para o público radical brasileiro, usando como bicho-papão o Foro de São Paulo.
Uma pouco influente organização que promove encontros entre partidos da esquerda da América Latina, incluindo o PT, mas que, na pregação de Olavo, soava como uma enorme conspiração para a implantação do comunismo no continente.
A teoria conspiratória se encaixava perfeitamente nas ideias de Olavo, um adepto do "tradicionalismo", uma obscura corrente antimodernista que defende que a religiosidade e antigas hierarquias deveriam ocupar o centro da sociedade – em oposição à democracia secular.
A tática também subvertia conceitos do filósofo franco-americano René Girard (1923-2015), cuja divulgação Olavo monopolizou no Brasil por vários anos. Girard foi o autor da "teoria do desejo mimético", que apontava que as fontes de tensão de sociedades necessitam de um "bode expiatório", um alvo sobre o qual a violência de uma comunidade deve ser direcionada. Girard havia apenas diagnosticado a questão. Olavo tratou de escolher – ou inventar – alvos conforme sua agenda política.
Ele inicialmente propagandeou várias dessas ideias em livros que saíram nos anos 1990 por pequenas editoras, conquistando um pequeno, porém fiel público, composto especialmente de jovens homens de direita.
Por outro lado, seu trabalho mais apresentável de "divulgador" de pensadores conservadores também lhe valeu algum espaço na imprensa. Ele chegou a ter colunas ou textos publicados em veículos como Jornal do Brasil, O Globo e as revistas Época e Bravo.
Na mesma época, Olavo se tornou um frequentador assíduo de think tanks brasileiros que se promoviam como "liberais", mas que sob a influência dele se afastaram de qualquer pretensão moderada e passaram a abraçar cada vez mais ideias reacionárias, como formigas que se tornam "zumbis" pela ação de parasitas.
Manifestação pró-Bolsonaro em 2018. Olavo importou várias teorias conspiratórias dos EUAFoto: Getty Images/AFP/N. Almeida
Pioneirismo na internet
No entanto, entre boa parte da intelligentsia brasileira, Olavo continuou a ser encarado como uma criatura exótica ou caricata. Seu próprio passado contribuía para isso. Antes de se reinventar como "filósofo", Olavo havia sido professor de astrologia entre os anos 1970 e 1980 e também chegou a ser membro de uma ordem mística muçulmana no mesmo período, adotando por um tempo o nome Sidi Muhammad.
Mas esse isolamento da academia também lhe abriu novas possibilidades. Desde cedo, Olavo tentou expandir sua influência em áreas que eram ignoradas por muitos intelectuais brasileiros.
Antes mesmo do surgimento das redes sociais, ele já promovia suas ideias na internet. Primeiro com um fórum online no fim dos anos 1990 para reunir direitistas e conservadores. Depois, em 2002, com um site chamado "Mídia Sem Máscara", onde abriu espaço para outros autores publicarem textos que denunciavam a imprensa tradicional e promoviam ideias desacreditas como o "nazismo de esquerda". Em 2004, seus seguidores passaram a se concentrar e debater no finado Orkut.
A internet foi se tornando a principal arena do "olavismo" conforme o espaço do ex-astrólogo em colunas na imprensa ia definhando no final da primeira metade dos anos 2000.
Com essas ferramentas online, Olavo se viu livre de amarras e encontrou espaço propício para importar e divulgar mais e mais delirantes teorias conspiratórias originadas nos EUA e outros países.
Chegou a afirmar que a Pepsi usava células de fetos abortados em seus refrigerantes – um boato que circulou inicialmente entre grupos antiaborto dos EUA em 2011. Em um vídeo, disse que o pensador alemão Theodor Adorno teria sido o verdadeiro compositor das músicas dos Beatles – um absurdo que já circulava em círculos de direita nos anos 1970.
Em outras ocasiões, afirmou que o príncipe Charles, herdeiro da coroa britânica, era secretamente um muçulmano, ou que o aquecimento global era uma invenção da família Rockefeller e do Clube de Bilderberg – dois espantalhos favoritos de conspiracionistas de extrema direita.
Olavo também foi responsável em 2008 por importar e promover entre extremistas brasileiros a teoria conspiratória de que o presidente americano Barack Obama teria nascido no Quênia – anos antes de Donald Trump virar o principal promotor dessa mentira.
Sempre antenado nas últimas tendências da extrema direita mundial, também passou a focar ataques no bilionário filantropo George Soros, principal bête noire dos propagadores de teorias conspiratórias no mundo, e nome mais associado ao suposto "globalismo".
Anos antes de o tema se tornar uma das principais obsessões de Jair Bolsonaro, Olavo também já introduzia no debate brasileiro a desconfiança nas urnas eletrônicas. Em 2014, passou a atacar a empresa Smartmatic, fundada por engenheiros venezuelanos, acusando-a sem provas de manipular votações eletrônicas na América Latina. Anos antes da pandemia, Olavo também publicou mensagens antivacinas.
Durante esse período de expansão na internet, Olavo começou a sistematicamente adotar um comportamento de líder de seita. Várias vezes brigou publicamente com antigos seguidores que tinham pretensões de debater de igual para igual com o "professor" – como Olavo passou a ser chamado.
Vários acabaram sendo condenados ao ostracismo dentro da seita. Só poderia haver uma estrela no olavismo. Nos anos 2000, um ex-colaborador de Olavo o apelidou de "Aiatolavo". Outros o compararam a L. Ron Hubbard, o fundador da Cientologia – um escritor americano de ficção-científica, que tal como Olavo, havia fracassado em várias empreitadas exóticas antes de iniciar uma seita.
A chegada ao mainstream
Após se mudar para os EUA em 2005, Olavo passou a promover no YouTube um Curso Online de Filosofia (COF) e também lançou um programa online de rádio chamado True Outspeak, no qual tentava emular o radialista de extrema direita Rush Limbaugh. Nos anos seguintes, também se lançou no Facebook.
O curso e as redes sociais acabaram favorecendo a atração de extremistas menos disciplinados, que passaram a se intitular seguidores de um suposto filósofo conservador sem precisar efetivamente ler livros. Bastava ouvir um pouco e concordar com o "professor" para ser incluído no movimento.
Para Olavo, o fato de esses novos e cada vez mais numerosos seguidores não serem exatamente refinados era um bônus, já que eles seriam mais obedientes e menos questionadores. Foi nessa fase que dois dos filhos de Jair Bolsonaro – Eduardo e Carlos – se aproximaram de Olavo. Seguidores passaram a exibir cartazes ou gritar slogans como "Olavo tem razão" em protestos pelo país.
O trabalho nas profundezas da internet acabou sendo frutífero para Olavo. Em 2013, ele pôde enfim sentir o gosto do mainstream quando a Editora Record, aproveitando o zeitgeist que começava a pender para a direita no Brasil, lançou uma coletânea de artigos de Olavo chamada O mínimo que você Precisa saber para não ser um idiota.
O livro foi um sucesso para a editora, que passou a republicar antigas obras de Olavo. Segundo o jornal O Globo, as obras de Olavo que saíram pelo selo Record venderam 400 mil exemplares entre 2013 e 2021 – uma marca gigantesca para esse tipo de livro no Brasil. A editora logo passou a publicar livros de vários pupilos de Olavo, alimentando um novo público faminto por obras de extrema direita.
Nessa fase, Olavo começou a ser notado por figuras da extrema direita mundial, como o ideólogo da alt-right Steve Bannon, outro seguidor do "tradicionalismo", com quem passou a ser frequentemente comparado em publicações estrangeiras.
Em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff, quando enormes manifestações conservadoras precipitaram a queda da petista, Olavo afirmou que havia sido o "parteiro" da "nova direita" brasileira.
Eduardo Bolsonaro: filho "03" do presidente foi um dos seguidores de Olavo de CarvalhoFoto: picture-alliance/Zumapress/D. Oliveira
O "bolsolavismo"
Em 2018, Jair Bolsonaro exibiu um exemplar de O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota em sua mesa quando fez seu primeiro discurso, após vencer o segundo turno. E assim nascia o "bolsolavismo".
Mas o casamento entre o bolsonarismo e o olavismo acabaria sendo tumultuado.
Olavo inicialmente teve um papel decisivo na montagem do primeiro ministério do presidente. Ele influenciou diretamente a escolha de Ricardo Vélez Rodríguez para o cargo de ministro da Educação, e do seu seguidor Ernesto Araújo para as Relações Exteriores.
Vélez Rodríguez durou pouco no cargo, mas seu substituto foi outro olavista, Abraham Weintraub. Olavo ainda exerceu forte influência sobre Filipe G. Martins, o reacionário assessor de Bolsonaro para assuntos internacionais.
No entanto, Olavo não emprestou um apoio constante ao presidente e várias vezes criticou Bolsonaro. O afastamento se acentuou conforme os pupilos do ideólogo foram perdendo cargos no governo.
Olavo também se queixava que o presidente não era disciplinado e consistente o suficiente para combater a esquerda.
Antes mesmo do surgimento do bolsonarismo, Olavo já havia direcionado críticas similares aos militares, afirmando que durante a ditadura eles só se preocuparam em combater guerrilhas, ignorando que a esquerda estava "se infiltrando" nas universidades.
Nem mesmo a ditadura foi suficientemente radical para Olavo.
Olavo ainda diagnosticava que a vitória da extrema direita em 2018 havia ocorrido cedo demais, sem que o campo tivesse sido suficientemente preparado para que ela se tornasse hegemônica em todas as áreas da sociedade. Dessa forma, o poder não seria mantido de forma duradoura.
Ainda assim, ele disse que votaria em Bolsonaro em 2022 por falta de opção.
Olavo não viveu para ver a campanha à reeleição de Bolsonaro.
Num lance irônico, aparentemente ele acabou sendo engolido por sua própria obsessão em teorias conspiratórias. Fumante inveterado, se gabava de não ter um plano de saúde nos EUA. Em 2021, teve que viajar para o Brasil em busca de tratamento para seus persistentes problemas de saúde.
Ao longo da pandemia de covid-19, Olavo ainda expressou várias vezes acreditar que o coronavírus não existia – como já havia feito com as mudanças climáticas. Numa ocasião, disse que a doença não passava de uma "historinha de terror para acovardar a população e fazê-la aceitar a escravidão".
No último dia 15 de janeiro, mensagens em grupos de Telegram ligados a Olavo apontaram que ele havia contraído covid-19 e teria que se afastar das aulas. Olavo morreu menos de dez dias depois – a família, porém, evitou apontar que a causa tenha sido a doença.
Jean-Philip Struck Repórter