Gilberto Maringoni de Oliveira
Eu estava errado em minha avaliação sobre os atos de domingo (26).
Escrevi que as manifestações foram médias em São Paulo e Rio (em relação ao 15 de maio) e fracas em outras tantas dezenas de cidades pelo país.
Opinei que Bolsonaro cometera um erro tático e que se enfraquecera dentro da coalizão reacionária que compõe os três poderes da República. O Congresso ganhara peso relativo na balança.
Eu não contava com a astúcia da grande mídia.
As manchetes dos ex-jornalões colocam no chinelo qualquer roteirista de Matrix (1999) ou de outros filmes que lidam com realidade virtual.
Abrindo grandes fotos, em ângulos favoráveis, os títulos principais desta segunda foram assim:
O GLOBO:
“Atos a favor de Bolsonaro, reformas e Moro ocorrem em 156 cidades”
FOLHA DE S. PAULO
“Atos apoiam Guedes e Moro e criticam Maia e Centrão”
ESTADÃO
“Atos apoiam Bolsonaro e reformas, Maia vira alvo”
CORREIO BRAZILIENSE
“Bolsonaro: ‘recado contra velhas práticas’”
VALOR:
“Reformas motivam atos pró-governo”
Como comprovação “científica”, o Valor divulga pesquisa realizada por Pablo Otrollado. De acordo com a tabulação realizada pelo professor da USP, a razão de adesão é a “defesa das reformas” (75% das respostas).
“Os dados obtidos em primeira mão pelo Valor indicam ainda que o apoio à operação Lava-Jato moveu 8% dos manifestantes e o repúdio à atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), 6%.
A contrariedade com o Centrão no Congresso levou outros 6% das pessoas às ruas.
‘É um recado eloquente ao Congresso’, afirma o coordenador do grupo de pesquisa, o professor Pablo Ortellado.
‘Surpreende as pessoas responderem que foram às ruas pelas reformas, especialmente quando isso inclui as impopulares mudanças na Previdência.’”
Otrollado teria se especializado em sondagens que parecem realizadas de trás para a frente.
Pega-se o resultado e monta-se a tabulação, como se queria demonstrar.
Se não é assim, tem cara.
Curioso é que a convocação das marchas eram muito explícitas durante a semana: contra o Congresso e o STF, numa clara demonstração de apoio a uma ditadura aberta.
É algo em linha com tudo o que se vê no país desde 2013, quando a pregação por “intervenção militar já!” ganhou as ruas.
Inferir, a partir daí, que atacar o Legislativo e seus líderes corresponde a apoiar o fim das aposentadorias é algo que fica a cargo da imaginação de editores que se pautam pelos humores do capital financeiro.
Uma das reportagens internas à Folha de S. Paulo de hoje é mais racional.
Ela dá voz a um dos principais alvos dos protestos:
“Em reuniões na tarde deste domingo, Maia usou dados, sem citar fonte, segundo os quais os protestos contra bloqueio de verbas na educação, no dia 15, foram três vezes maiores. Apesar disso, as manifestações pró-governo tiveram oito vezes mais compartilhamento nas redes sociais, sugerindo o uso de robôs”.
A conclusão óbvia é que as manifestações tiveram como objetivo primordial realizar a disputa interna à coalizão de direita, buscando unificar a atuação de todos e/ou calar e intimidar os descontentes.
E foram fracas. Mas a realidade pouco importa.
Millôr Fernandes tinha uma frase prodigiosa a respeito: “Opinião pública é a opinião que se publica”.
O que importa é que os meios de comunicação não inflaram números de participantes ou distorceram o conteúdo de faixas e discursos.
Apenas melhoraram a realidade. Como em Matrix.
Jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro
Fonte: https://jornalggn.com.br