ARTIGO: "Marina não é esfinge"


A despeito do editorial caricato da Folha de S. Paulo.

Mas Marina continua a mesma.

E talvez seja esse o único ponto de concordância que se possa encontrar com a opinião de Elio Gaspari e aquela aqui expressada.

E que bom que continua a mesma, pois consistência, deveras, é fenômeno raro em matéria de política.

Os comentaristas apressam-se nas conclusões sobre Marina. Equivocam-se na leitura de fatos passados, e equivocam-se na compreensão de fatos presentes.

Parece bastante simples atribuir a Marina, unica e exclusivamente, a queda em pesquisas passadas. Taxar o seu discurso como utópico e raso. Sua personalidade como emotiva. Sua razão como ambígua.

Difícil mesmo é reconhecer que, num sistema político falido, em que se pode "fazer o diabo para vencer as eleições", com palanques, minutos de TV, marketing, orçamento e todos os tentáculos possíveis do sistema que lutam com força feroz para para nele permanecer, fazer política com o objetivo de furar o bipartidarismo brasileiro é, indubitavelmente, colocar-se frente-a-frente com um monstro voraz. E Marina, a despeito das pechas vexatórias de "candidata dos banqueiros" que lhe quiseram pregar, era mais anti-sistema que qualquer candidato majoritário.

Obviamente, Marina não é perfeita. Não é deusa. Nem santa. Comete erros e às vezes se contradiz. Erra no que quer expressar. E erra em algumas ideias, pelos olhos de algum observador, em algum lugar do planeta. A diferença de uma parcela razoável dos políticos, todavia, é que, ao que tudo indica, Marina sabe disso.

Por isso mesmo ela se auto-define muito bem: é mais professora que política; é mais interlocutora para uma longa conversa do que liderança calculista com todas as respostas prontas. Nas boas palavras do professor Márcio Sales Saraiva, Marina é o anti-marketing político.

E até nas entrevistas, Marina deixa às claras muito de si mesma. E do que quer transmitir ao seu companheiro de prosa e, às vezes, até de poesia. Sem grande preocupação com o que "vão pensar de mim".

Ao falar com Bruno Torturra, em entrevista ao Fluxo, Marina se encontra no ambiente em que se sente mais confortável. Ali, em meio às árvores de um parque de Brasília, sentada num banco de madeira, com um interlocutor versado em teoria política e sociológica, Marina discute ideias profundas e como transformá-las em realidade. Cita autores renomados e de admirável composição no repertório de uma presidenciável. Ela fala de Hannah Arendt e a origem do mal, fala de Baumman e a crise política. Toca em pontos profundos que traduzem a crise no sistema representativo. Critica o sistema de produção e consumo. Critica a acumulação capitalista em frases que acusam a falta de equidade na distribuição das riquezas. Explica com mais detalhes a polarização política e o conceito de Sustentabilismo: segundo ela própria, uma forma de agregar as conquistas da humanidade num novo "ideário". O entrevistador, preocupado com o longo prazo. Com as políticas que permanecem mesmo depois de esgotados os prazos dos políticos, deixa escapar expressões que parecem esconder uma mistura de espanto e admiração. A sensação que se tem é que talvez nunca, desde a redemocratização pelo menos, alguém próximo da presidência da república foi capaz de alcançar aquele nível de síntese e observação do quadro político, econômico e social. (Com possível exceção ao ex-presidente FHC) Ali, falou a Marina professora. A Marina preocupada em usar seu capital político para dar novos caminhos, ou como ela mesma diz "novas maneiras de caminhar".

Ao falar com a Folha de. S. Paulo e em recente entrevista à Rede TV, de Marina são cobradas respostas rápidas. Ali, não querem que ela seja professora. Não querem que ela ensine. Que ela transmita reflexões. Querem apenas respostas diretas. Querem saber se ela é socialista ou capitalista. Marina apresenta seu ideal de "Sustentabilismo". É chamada de abstrata. O interlocutor não quer reflexões, quer manchetes chamativas, que gerarão comentários nas redes sociais.

Marina quer discutir o Brasil do longo prazo no seu curto prazo político. O interlocutor quer discutir o curto prazo para o curtíssimo prazo da manchete de "amanhã". Afinal, as frases "Marina se diz anticapitalista" ou "Marina se diz capitalista" vendem. Mas "Marina se diz Sustentabilista" gera apenas uma grande interrogação na cabeça das pessoas. Faria alguém preocupado com fins minuciosamente eleitorais uma afirmação dessa? Dificilmente.

A fala de Marina apenas abre espaço para romper com estruturas tradicionais de poder que se formam ao redor das correntes ideológicas, sejam elas quais forem. Mesmo que essas ideologias tenham sido desidratadas pelo fisiologismo das estruturas humanas. Obviamente que ter uma professora quase filósofa que carrega consigo a responsabilidade de 20 milhões de votos tentando romper uma nova barreira ideológica assusta. Afinal, o que pode sair disso?

Marina, obviamente, necessita fazer uma reflexão de como lidar com essas situações, e como tornar sua linguagem mais acessível ao povo que não leu Hannah Arendt ou Baumman.

A mídia, obviamente, deveria se esforçar um pouco mais para entender uma pessoa que, ao que parece ser incontestável, "não tem por objetivo de vida ser presidente da República." Fosse o caso, estaria bradando por aí palavras de ordem, trejeitos de stand up comedy e respostas prontas e populistas como bem o fazem Jair Bolsonaro e Ciro Gomes.

Mas a mídia não vai mudar. Discutir ideias não dá destaque. E quando dá, não é muito.

Só que aquilo que nem a mídia, nem aqueles que estiverem acostumados a discursos "fast-food" poderão esquecer, nas palavras de uma dessas reflexões profundas que surgem apenas em status de rede social, é que Marina "preferiu ser profeta a ser rainha". Prefere os paradoxos às divisões binárias. Prefere enxergar o arco-íris que se esconde entre o preto e o branco. Prefere Edgar Morin a Marx (aparentemente). Prefere não acusar sem provas. Prefere não atacar adversários na campanha, mesmo que a sua disposição tenha diversas ferramentas. Parece que ela escolheu se apresentar assim: sem filtro, sem ajustes de luz, sem ajustes de som, sem ajustes de cor e sem ódio. E, ao que tudo indica, isso também não vai mudar.

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