Juiz Raimundo Nonato Maia |
"Juiz conta o que sofreu ao dar a primeira decisão do país contra nepotismo"
O caso é hoje caricato, mas há 15 anos era comum no Tribunal de Justiça do Acre. Alguém que chegasse ao gabinete de um desembargador e pedisse para falar com Sua Excelência corria o risco de ouvir como resposta: “Espere um pouco que o papai está despachando com a mamãe no gabinete”.
Seis dos sete desembargadores naquela época lotearam o tribunal com 24 parentes. E a família crescia, porque se somavam a esse grupo mais 14 parentes que prestaram concurso para cargo técnico, mas que eram beneficiados por um upgrade. Um dos juízes, comprovando o que a frase absurda relataria, tinha a mulher como assessora e a filha como secretária.
Há 15 anos, a situação no TJ do Acre começava a mudar com um dos primeiros capítulos na luta contra o nepotismo no serviço público.
O então juiz substituto Raimundo Nonato Maia, hoje com 53 anos, recebeu na Vara de Fazenda Pública uma ação civil de autoria do Ministério Público estadual contra a nomeação de parentes.
No dia seguinte, a decisão estava assinada, determinando a suspensão da nomeação de todos os parentes não concursados. “Era uma sensação extremamente desagradável porque você via o desrespeito com a coisa pública, você via uma panelinha tomando conta do poder Judiciário e a gente meio que sem poder fazer muita coisa”.
Formalmente, o juiz baseou-se num dos princípios que norteiam a administração pública – a moralidade. Ao artigo 37 da Constituição, somava-se o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e os regimentos internos dos tribunais regionais federais, constituições estaduais e a lei que criava as carreiras dos servidores do Judiciário (Lei 9.421/96).
A realidade era sintomática, mais explícita do que a norma. “Tinha uma situação que chegava a ser cômica se não fosse trágica. O presidente do tribunal na época tinha como assessora a esposa e como secretária do gabinete a filha. Então você chegava para falar com o presidente e inocentemente a filha dizia: 'Espere um pouco que o papai está despachando com a mamãe no gabinete'. Isso soa engraçado. Ela falava até inocentemente, 'o papai está despachando com a mamãe no gabinete'. Ela não sabia o que aquilo significava".
Assinada a decisão e conhecida pelos desembargadores alvo da ação civil pública, a resistência e as represálias se iniciaram. “No dia seguinte, eu recebi telefonemas de desembargadores demandados dizendo: 'Você vai manter isso mesmo? Pois saiba que se você for manter as consequências vão ser ruins pra você. É melhor você voltar atrás'. Eu disse que a decisão já estava dada".
Ao telefonemas se somou o boicote. Apesar do “publique-se e cumpra-se” expresso ao final de toda a decisão, o Diário Oficial do Poder Judiciário não a publicou. “Aí dei uma decisão dizendo que teria de ser publicada. Eles publicaram em letras inelegíveis, bem pequenininhas. Eu, para publicizar isso, tive que mandar publicar no Diário Oficial do Estado”.
Naquela época, Nonato Maia ainda não era vitaliciado. Havia passado no concurso para juiz de Direito em 1995 e passado a atuar como juiz de Direito substituto em 1996. Por isso, as retaliações poderiam lhe ser desastrosas. Tanto é que teve um desembargador que foi à TV dizer que eu seria certamente colocado em disponibilidade. Fez ameaças inclusive na imprensa”.
A decisão, apesar de tudo, foi cumprida, mas Nonato Maia foi transferido por dois anos de Rio Branco para a comarca de Mâncio Lima, uma cidade que, de tão pequena naquela época, não tinha promotor, delegado ou defensor.
O pior viria depois da transferência. A coisa mais desagradável nisso tudo foi que fui rejeitado em duas promoções por antiguidade, o que só pode ocorrer se houver uma justificativa e isso tem que ser justificado nos votos dos desembargadores, de dois terços do tribunal”.
E quem fiscalizava ou poderia impedir a perseguição? “Era a corregedoria. O próprio corregedor era demandado na ação! Você imagine então”.
Não existia Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 1999. Portanto, o juiz Nonato Maia não teria a quem protestar naquela época. “Hoje, no mesmo dia correria para o CNJ. Acabei sendo prejudicado mesmo. Dois colegas de concurso posterior ao meu foram promovidos e hoje são mais antigos que eu. Realmente, no começo, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) era contra a implantação do CNJ. E depois viu que era um equivoco. O CNJ veio para quebrar muitos dos feudos que havia realmente no poder judiciário Brasil afora. E foi importante. E sabemos que o CNJ é hoje um aliado de juiz de primeiro grau”.
Em 2005, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a resolução 7, de outubro daquele ano, vedando a prática do nepotismo no Judiciário. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovava a súmula vinculante número 13. “Isso mudou bastante. O tribunal hoje prioriza a nomeação de servidores de carreira para cargos em comissão. Isso teve um preço para mim, mas talvez o ganho para a sociedade tenha sido bem maior”.
Com informações
http://jota.info
Por Felipe Recondo
Brasília