TARAUACÁ: No dia de finados, uma homenagem a Amin Kontar, o "santo de Tarauacá' escrita pelo poeta Chaga do Vale.


Aqui tudo que começa
logo vejo se acabar 
por mais que agente se esforce 
nem adiantar tentar 
tem alguma coisa errada 
já deu pra desconfiar 
que tamo sendo castigados 
pelo o que nossos antepassados 
fizeram ao Amin Kontar 

eu ainda erra menino 
ouvi meu avô contar 
que foi a morte mais cruel 
que teve em Tarauacá 
foi o cumulo da covardia 
um homem sofrer noite e dia 
sem nem um mal praticado 
hoje eu estou envergonhado
de pisar no chão mascado 
aonde foi arrastado 
o inocente Amin Kontar 

anos atrás aqui na cidade 
o sol foi testemunha 
dessa grande barbaridade 
um homem foi arrastado 
cuspido e chicoteado 
sem dor e sem piedade 
um "falso" que levantaram 
aquele homem inocente 

aqui tinha uma autoridade 
com apelido de serpente 
um coração de dragão 
só tinha a cara de gente 
por causa de uma bomba 
que jogaram em um lugar 
teve um cabra covarde 
que culpou Amin Kontar 

seu teto desmoronou
e com a vida pagou 
sem nenhum mal praticar
arrancaram suas unhas 
só pra ver ele gritar 

e diziam confessar que foi você 
ou vai morrer de apanhar 
dizia ele um turco morre 
mas não vá se condenar 
seus olhos ainda brilhando 
Deus já estava esperando 
a alma de Amin Kontar 

hoje de joelho não chão 
eu quero pedi perdão 
por nós de Tarauacá 
no cemitério João Batista 
hoje qualquer um pode ir lá 
de longe a gente avista 
o tumulo de Amin contar 

o tumulo mais visitado 
aqui em Tarauacá 
e os que lhe maltrataram 
só meu Deus pode julgar 
digo tirando o chapéu 
Amin Kontar estar no céu 
mandando benção de lá.

Quem foi AMIN KONTAR?


A História se passou em Tarauacá, na então chamada Vila Seabra.
Por: Sanderson Moura


"Que o Castigo, se assim posso exprimir, fira tanto a alma como corpo" (Michel Foucault)

A História se passou em Tarauacá, na então chamada Vila Seabra.
Por: Sanderson Moura

Na terra que me viu primeiro, uma bárbara injustiça aconteceu. 

Se Michel Foucault tivesse conhecimento desta punição, com certeza teria incluído em seu livro Vigiar e Punir, que conta a história da insanidade do homem na apuração dos fatos criminosos.

Foi nos idos de 1916. Um jovem descendente de turco - segundo os mais velhos, um belo jovem - passava em frente à casa do prefeito de Tarauacá, quando viu a casa do Intendente Cunha Vasconcelos pegando fogo. Logo se assustou com gigantes labaredas, e sai correndo, desesperadamente, do local, talvez já profetizando o que poderia acontecer.

Não custou muito para que algumas pessoas, querendo agradar e se aproximar da corte, apontassem o jovem AMIN KONTAR como o autor do incêndio.

O prefeito tratou de punir o suposto criminoso, e em conluio com o delegado perpetraram as mais cruéis torturas contra o jovem, que sabiam ser inocente. Na verdade, o incêndio criminoso tinha como autor um rival político do prefeito, mas a punição de AMIN KONTAR serviria para mostrar a todos o poder daqueles que mandavam.

AMIN KONTAR foi colocado amarrado dentro de uma rede na delegacia, entre duas espadas afiadas, e a cada embalo, uma furada de cada lado em seu corpo e em sua alma de inocente.

Andou por cima de ferro quente, teve as unhas dos pés e das mãos arrancadas com alicate, e seu corpo, já em estado deplorável, foi arrastado e exibido pelas ruas da Vila Seabra, puxado por um cavalo, em um suplício público. 

AMIN KONTAR é considerado um santo em Tarauacá, devido a sua morte como inocente. Sua tumba (foto acima)é a mais visitada, a mais prestigiada e a mais respeitada do cemitério da nossa cidade. Milagres acontecem por interferência deste santo popular. 

Claro que não é um santo reconhecido pela Igreja Católica, mas não importa, o povo o canonizou. Diariamente pessoas vão ao seu túmulo e depositam flores, óculos, fraudas, camisas, lençóis, todo tipo de objeto, dependendo da natureza do clamor que se faça a ele.

AMIN KONTAR, o santo de Tarauacá, o padroeiro dos inocentes perseguidos. 
“Não fui eu não sei quem foi”

Minha ligação com Amin Kontar, o Santo de Tarauacá, é muito forte, de cumplicidade. Tenho-o como símbolo do inocente martirizado.

Vítima de uma injustiça brutal, esse jovem galante, belo e brioso, deixou marcas resplandescentes no povo tarauacaense. No inconsciente coletivo.
Um povo gracioso, valente e bonito. Que odeia a injustiça. 

Fiz júris em Tarauacá, e nas conversas infindáveis com meus conterrâneos, percebi um espírito que o impulsiona a julgar com bondade, imparcialidade e razoabilidade.
São padrões quem vem de longe, lá de Amin Kontar, quando o povo chorou ao ver tanta iniqüidade.

Ao ser interrogado por seus malfeitores, firmemente repetia: " não foi eu e não sei quem foi". A cada tortura, a frase imortalizada na aura tarauacaense: "não foi eu e não sei quem foi". 

Não confessou o crime aos seus algozes, pois não praticara, não delatou ninguém, suportou a dor de um mártir, na luminosa eloqüencia de seu sofrimento. Seu nome já diz tudo: "o princípe constante, o princípe fiel." Aquele que não abandona, aquele que socorre, aquele que não trai, aquele que cuida, aquele que defende. Fiel como o amigo, constante como o sol que não se apaga. 

Seu túmulo é o exemplo disso. É o refugio do injustiçado, do inocente, da pureza maculada, respeitado pelo rico e pelo pobre. É um temido e destemido Santo, porque traz em suas mãos o gládio da justiça, que traz no olhar, a chama da verdade, na razão, a lógica do direito, no coração, o sentimento da bondade, e na palavra, a sentença implacável. 

Tenho elo muito forte com Amin Kontar, ele nunca se desligou de nossa cidade, zela por ela, pelo seu povo, querendo vê-lo a cada dia mais justo, a virtude que mais prezava.

A covardia do juiz de Amin Kontar

Dizia o criminalista americano que o maior prazer de uma pessoa acusada é acordar cedo pela manhã e poder afirmar que será julgado por um grande juiz. Justo, corajoso, imparcial, independente, livre dos afagos, compromissos e apalpadelas dos poderosos.

Amin Kontar não teve esta sorte.

Seu assassinato, dentro da cadeia pública do Departamento de Tarauacá, no ano de 1918, com um tiro na nuca e outro nas costelas, se deveu em grande medida a covardia de seu juiz.

Prestes a decidir ordem de hábeas corpus em valor de Amin, que apanhava sem cessar com chicote de couro de anta, o juiz recebeu ameaças do prefeito Cunha Vasconcelos caso soltasse o jovem acusado.

Amedrontado com a fúria do prefeito, que levou a cidade a verdadeiro estado de sítio, o juiz preferiu abandonar a Vila Seabra, abrindo caminho para os torturadores assassinarem Amin Kontar, logo após a sua partida.

Poderia se exigir do juiz conduta diversa da que tomou? Claro, não tenho um centímetro de dúvida. Temos vários exemplos de juízes que enfrentaram a tirania e realizaram a justiça.

"Ainda há juízes em Berlim", foi a frase dita por um camponês ameaçado de esbulho por um senhor feudal. Veja a beleza da confiança na justiça.
Quantos presos inocentes sofrem Brasil afora dentro das delegacias de polícia e nos presídios, por covardia de seus juízes?
Teria muita vergonha se eu tivesse sido filho, neto, ou bisneto, ou mesmo parente do juiz que deixou que assassinassem Amin Kontar, pela covardia com que agiu.

Lembrai-vos de Amin Kontar

Por incrível que pareça, Amin Kontar não leva o nome de nenhuma rua, avenidade, bairro, salão, praça, escola, ou coisa parecida.
• Muitos coronéis de barranco foram prestigiados no decorrer do século, na cidade de Tarauacá-Acre, e em vários municípios de nosso estado. Foram os poderosos que mataram Amin Kontar.

Considerado santo milagreiro, ninguém ainda celebrou a sua vida e a sua morte da maneira devida. 

Amin mereceria um busto em todas as delegacias de polícia e em todos os fóruns das comarcas acreanas. Por quê? Porque Amin Kontar é uma lição. A polícia o torturou e o matou, e a Justiça foi omissa, quando poderia ter evitado o homicídio do jovem inocente.

Que o povo tarauacaense comece a exigir de seus dirigentes que homenageiem Amin Kontar, e difunda a sua história como símbolo da resistência a toda forma de arbítrio, de abuso, e de violência.

Escrito por Sanderson Silva de Moura

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