Durante quatro anos, entre 1899 e 1903, lutaram os brasileiros do Acre contra o domínio boliviano. Lutaram seringueiros armados de simples papo-amarelos (winchesters) contra forças militares adestradas e armadas com fuzis de guerra, enfrentando a morte numa trincheira qualquer.
Muitos foram os que morreram por essa terra durante aqueles dias de guerra. Por mais que os consideremos heróis, sequer sabemos seus nomes. E por todo o tempo dessa luta o governo brasileiro insistiu em considerar que a letra dos tratados de limites assinados há décadas, há séculos atrás, eram mais importantes.
Para o presidente Campos Sales, que governou o Brasil entre 1898 e 1902, a principal preocupação era aumentar as vantagens econômicas dos exportadores de café do sul do país. O que interessava meia dúzia de aventureiros da longínqua região da borracha? Não foi a toa que exatamente nessa época o Brasil começou a ser conhecido como a Republica do Café com Leite, numa referência direta ao predomínio de São Paulo e Minas Gerais sobre os outros estados brasileiros.
Porém, por trás do incompreensível desinteresse que o governo brasileiro assumiu em relação à rica região do Acre são visíveis muitos sinais de uma certa covardia. A lição da Guerra de Canudos havia sido demasiadamente dura para o governo federal. As seguidas derrotas do exército brasileiro para os seguidores de Antônio Conselheiro haviam desmoralizado as forças armadas brasileiras. Até mesmo o desfecho daquela guerra havia sido duvidoso, já que a vitória veio marcada pelo doloroso massacre de centenas de homens, mulheres e crianças, cidadãos brasileiros, cujos únicos delitos eram o de terem nascido pobres e o de, em seu desespero, acreditarem nas profecias e palavras do Conselheiro. Se o exército brasileiro havia sido tão vergonhosamente humilhado por uma turba de fanáticos miseráveis no sertão da Bahia, o que poderia acontecer nessa guerra que se travava nos confins do deserto amazônico, onde só se chegava depois de meses de viagem e, ainda assim, somente durante alguns meses do ano? Pelo rumo dos acontecimentos e pronunciamentos oficiais do governo fica evidente que o Brasil parecia ter mais medo do Acre brasileiro do que seria possível sentir da Bolívia, historicamente um dos mais pobres, atrasados e oprimidos países da latino América.
A tudo isso os acreanos assistiram “sem recuar, sem cair, sem temer” em sua luta inglória. Foram tempos difíceis. Ainda piores quando o próprio governo brasileiro acabou com a Republica do Acre, destituiu os revolucionários e devolveu o controle da região para as autoridades bolivianas. Tudo parecia acabado então. Ainda assim aqueles brasileiros do Acre mantiveram-se firmes em seu ideal de resistir até o fim, com ou sem o Brasil ao seu lado.
Porém, a notícia da formação do Bolivian Syndicate - e da possível internacionalização de boa parte da Amazônia - sacudiu a opinião publica nacional e forçou o novo presidente da Republica, Rodrigues Alves, a mudar a posição oficial do governo brasileiro. A partir de então ficou evidente que era necessário tornar brasileiras as terras habitadas por nacionais. Que seria preciso negociar a permanência do Acre sob domínio brasileiro. Qualquer outra opção tornara-se inaceitável.
Só restou então ao governo ceder pequenas áreas de fronteira, prometer a construção da Ferrovia Madeira-Mamoré e indenizar com libras esterlinas a Bolívia e o Bolivian Syndicate. O Acre brasileiro, conflagrado, revolucionário, não mais poderia ser recusado ou desconhecido pelo Brasil.
Assim nascia o Tratado de Petrópolis e com ele nascia o Acre brasileiro. Por mais que boa parte dos méritos do Tratado deva ser creditado ao competente trabalho do Barão do Rio Branco, Ministro do Exterior na época, não devemos esquecer que foi a luta acreana o principal e determinante fator que levou à sua existência.
Obs: O que parecia o ponto final de um dos episódios mais dramáticos da história brasileira, na verdade se revelou como o início de duas outras questões não menos importantes: a necessidade de negociar com o Peru a regularização da área ocupada por brasileiros no vale do Juruá e, por outro lado, descobrir o que fazer com o Acre agora que ele havia se tornado parte do Brasil. Mas essa já é uma outra história ... (Pagina20)
|