Todos os oito ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram favoráveis a realização de marchas pró-legalização de drogas no País. O ministro Celso de Mello foi o primeiro a votar. Ele era o relator da ação e disse que a liberdade de expressão não comporta restrições. Ele considerou que o objetivo da marcha não é estimular o consumo de droga, mas expor uma proposta de legalização de forma pacífica em um evento social.
Durante seu voto, o ministro afirmou que a liberdade de expressão não se limita às ideias aceitas pela maioria, podendo expressar visões alternativas e que o Estado tem o dever de respeitar o direito de reunião, que constitui prerrogativa essencial do cidadão. Mas esclareceu que apesar de a defesa pública da legalização ser lícita, isso não significa permitir o uso da droga nessas manifestações.
Celso de Mello iniciou o voto pela análise das preliminares. Ele conheceu da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e rejeitou a ampliação da análise da matéria feita pela Associação Brasileira de Estudos Sociais de Psicoativos (Abesup), como por exemplo a permissão do cultivo doméstico e o uso de substância psicotrópicas em rituais religiosos e uso medicinal, entre outros.
O ministro Luiz Fux foi o segundo a votar e fixou parâmetros para a realização de marchas pró-legalização de drogas, como a vedação ao uso de drogas no evento e à participação de crianças e adolescentes.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator, ministro Celso de Mello, e afirmou que a liberdade transforma a sociedade. Ela pediu tolerância para ouvir quem pensa diferente e fez uma comparação das marchas pró-legalização de drogas com as reivindicações dos brasileiros nos anos da ditadura militar, quando as manifestações eram proibidas.
O quarto voto favorável foi do ministro Ricardo Lewandowski, que invocou a garantia do exercício da liberdade fundamental de expressão. O quinto a votar foi o ministro Ayes Britto, que ressaltou que o direito de encontro é um direito de exercício plural para discutir qualquer tema e que a marcha da maconha não constitui apologia ao crime.
A ministra Ellen Gracie também acompanhou o voto do relator e foi favorável a realização das marchas pró-legalização de drogas. O ministro Marco Aurélio não divergiu dos outros ministros e afirmou que decisões da Justiça proibindo marchas são incompatíveis com o princípio da liberdade de expressão. O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, encerrou a votação e confirmou a decisão do Supremo.
No começo do julgamento, já tinham se manifestado a Procuradoria-Geral da República (PGR) – autora da ação, a Advocacia Geral da União (AGU), e as amici curiae (amigas da Corte) Associação Brasileira de Estudos Sociais de Psicoativos (Abesup) e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
A ação foi proposta em 2009 pela vice-procuradora Deborah Duprat, quando ocupava a chefia interina da Procuradoria-Geral da República (PGR). Para Duprat, uma interpretação equivocada da legislação penal tem levado a Justiça a proibir as marchas pela legalização de drogas.
Ela afirma que muitos juízes têm cancelado esse tipo de evento alegando que os manifestantes estão fazendo apologia ao uso de drogas, o que é vedado pelo Código Penal. Entretanto, a procuradora lembra que o entendimento restringe o direito fundamental da liberdade de expressão.
Durante o julgamento, para convencer os ministros da legalidade das marchas, Duprat citou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que recentemente defendeu a liberação de drogas leves em um programa de televisão e participou de um filme sobre o assunto. “Este ex-presidente está fazendo apologia ao crime? Por que a conduta dele é distinta das de outras pessoas que se dispõem a discutir isso em ambiente público?”, perguntou a procuradora, afirmando que é preciso ter cuidado para não se ter uma atitude discriminatória.
Deborah Duprat também considera que proibir a realização de manifestações como a marcha em defesa das drogas significa censura prévia e que qualquer tipo de censura é uma violação à Constituição. Além disso, a procuradora afirmou que a marcha não pode ser considerada como um pretexto para o consumo coletivo e que o que está em debate é apenas a liberdade de expressão.. “Se [o consumo] de fato ocorrer, deve ser reprimido, mas ele não pode ser presumido.”
Liberalização do uso de drogas
O Supremo descartou incluir a discussão sobre a liberação do uso de substâncias psicoativas no julgamento sobre a legalidade das passeatas pró-maconha, pedido feito pela Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup). Entretanto, os ministros entenderam que, apesar de importante, o assunto não poderia ser debatido neste momento, por extrapolar o pedido do MPF.
Passeatas
As primeiras passeatas pela legalização da maconha surgiram no Brasil no início da década de 2000, seguindo uma tendência mundial que começou nos dez anos anteriores. Os eventos são realizados tradicionalmente no mês de maio e em quase todas as edições houve problemas com a liberação na Justiça.
Neste ano, estavam previstas pelo menos 20 marchas em capitais e cidades do interior. Em São Paulo, os manifestantes entraram em conflito com a Polícia Militar (PM) na marcha realizada na Avenida Paulista, no dia 21 de maio. Os PMs chegaram a usar bombas de efeito moral e balas de borracha para dispersar manifestantes. Em Brasília, a marcha também foi proibida, mas ocorreu mesmo assim com o nome Marcha da Liberdade de Expressão.
A maioria das ações que tentam barrar as marchas pela legalização de drogas é do Ministério Público dos estados, enquanto a ação que pede a liberação dos eventos é do Ministério Público da União.