RIO - Conhecido como defensor intransigente da educação, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) provocou polêmica ao propor um projeto inusitado. Com o argumento de que pretende abrir os olhos dos governantes para a degradação da educação e como forma de melhorar o ensino público, ele propôs que qualquer político eleito no Brasil seja obrigado a matricular os filhos na escola pública. O texto determina uma carência de sete anos para a medida ser posta em prática.
O projeto está sendo criticado por parlamentares e educadores, que invocam o direito de livre escolha, previsto na Constituição. O próprio Cristovam reconhece que seu projeto carece de apoio entre seus pares:
- Até agora nenhum senador me procurou para dizer que apóia o projeto - resigna-se.
O principal argumento de Cristovam é de que os políticos, de modo geral, não se interessam pela melhoria da qualidade da escola pública, e que se seus filhos fossem obrigados a estudar nessa rede, cuidariam melhor dela. Segundo ele, ainda hoje temos "escolas de ricos e de pobres, escolas de aristocratas e da plebe".
- Os eleitos pelo povo não colocam seus filhos nas escolas dos eleitos pelo povo, talvez por isso ela seja tão ruim. Por que não obrigar? - questiona o autor do projeto.
O senador Romeu Tuma (PTB-SP) foi designado relator do PLS 480/07 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e chegou a elaborar o parecer pedindo a rejeição do projeto, por considerá-lo inconstitucional. Ele relacionou três argumentos para justificar a decisão: o fato de tirar o direito da educação religiosa, já que a escola pública é laica; o fato de prejudicar a escola particular porque os filhos de cerca de 60 mil políticos eleitos seriam obrigados a estudar em escola pública; e o fato de impedir a família de exercer o direito de livre escolha. O texto já estava na pauta para ser votado, mas a decisão de Tuma de deixar o DEM e ingressar no PTB fez com que ele perdesse a vaga na comissão. Com isso, novo relator será designado pelo presidente da CCJ, Marco Maciel (DEM-PE), para preparar novo parecer sobre o projeto de Cristovam.
- Como é que você vai impor a alguém a escola em que ela vai estudar? A própria pessoa e a família é que devem decidir. Esse é um privilégio que não pode ser aceitável. Além do mais, para obrigar, você tem que deixar as vagas abertas, impedindo que outras pessoas possam se matricular - argumentou Tuma, para justificar seu parecer, que acabou tornando-se inócuo.
Cristovam não acredita que tirar os filhos de cerca de 60 mil políticos - estimativa dos que são eleitos no Brasil, hoje, incluindo vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidente da República - das escolas privadas fará com que elas sofram um baque com isso:
- Isso é besteira. Não estamos aqui para defender a escola privada. Eu sei que o projeto é polêmico, mas não é uma utopia. Em todo lugar se fala de educação. O simples fato de eu estar dando essa entrevista mostra que o tema suscita o debate - afirma Cristovam.
Tuma, por sua vez, acredita que a melhor solução seria organizar melhor o ensino público e criar uma consciência pela melhoria da qualidade da escola pública. Segundo ele, o Brasil tem que investir em infra-estrutura escolar:
- Minha mulher foi diretora de escola pública e meus três filhos estudaram em escola pública. Eles fizeram prova para entrar para o Colégio São Paulo. Temos, sim, que criar uma consciência. Se a escola pública melhorar, todos vão querer estudar nela, ela caiu de forma assustadora - constata Tuma.
Especialistas mostram o que fazer para melhorar a escola pública
Especialistas em educação também não acreditam que o fato de uma lei obrigar os filhos de políticos a estudar em escolas públicas seja suficiente para melhorar a educação pública no Brasil.
- Vejo uma certa dose de ironia do senador, na medida em que ele poderia chamar a atenção dos colegas. Acredito que o projeto não vai passar. Por que não posso estudar onde eu quero? Pressuponho que a atitude do ex-ministro é verificar o que pode ser feito para melhorar a qualidade da educação e para que tenhamos um controle melhor sobre ela. Isso não é o bastante, pois tira o direito de livre escolha das pessoas - afirma a professora Mirian Paura, do curso de pós-graduação em Educação da Uerj.
Quem também fala em cerceamento ao direito de escolha é o professor Roberto da Silva, do Departamento de administração escolar e economia da educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, Cristovam demonstra desconhecimento da legislação:
- O senador que me desculpe, mas ele está delirando. Uma das características da educação é a sua universalização, todos terem o direito de acesso a ela, tanto o filho do rico, como o filho do pobre. A partir do caráter universal, não se pode criar regras. Isso cerceia a liberdade de escolha. O senador demonstra desconhecimento da legislação quando propõe isso - disse Roberto.
Roberto da Silva diz que o mais grave na educação é o fato de os filhos da classe média terem abandonado a escola pública. Segundo ele, boa parte da responsabilidade pela baixa qualidade do ensino se deve à ausência da classe média, que preferiu matricular seus filhos na escola privada.
- A escola pública ainda tem qualidade nas técnicas federais e estaduais, onde a educação conservou alguma qualidade. A classe média está nela. Já nos ensinos fundamental e médio a coisa é diferente - admite.
O professor da USP garante que já existe um movimento, mesmo que tímido, de resgate da escola pública por parte da classe média:
- Há um movimento não utópico que é o do retorno da classe média às escolas públicas, por questão de orçamento. Isso tem sido fator de melhoria, porque há mais senso crítico, mais poder de barganha, de negociação. Os maiores problemas da escola pública hoje são a falta de professores, a degradação das instalações e o mau uso das verbas públicas - avalia Roberto da Silva.
Para Mirian Paura, a escola pública tem de ser boa para todos, não só para os filhos de políticos. Ela diz que a educação pública de qualidade ainda é elitizada no Rio:
- A educação pública de qualidade é quase elitizada. Aqui no Rio, temos o Pedro II, e os colégios de aplicação da Uerj e da UFRJ. Nessas escolas, quase todos os professores têm formação superior e os alunos gostam de estudar ali, há cumplicidade entre professores e alunos, mas é pouco. O ex-ministro quer que os políticos se sensibilizem para a questão da educação, ele está querendo chamar a atenção para o ensino público - atesta a professora da Uerj.
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