As imagens de um cãozinho gravemente ferido, divulgadas nesta terça-feira (7), escancararam uma ferida antiga de Tarauacá. Uma ferida que não está apenas no corpo de um animal indefeso, mas na consciência coletiva da nossa cidade. O sofrimento daquele cão virou símbolo de algo maior: da negligência histórica com a causa animal e da ausência de uma política pública estruturada para lidar com o crescente número de cães de rua.
O caso gerou reação imediata: denúncia da vereadora Veinha do Valmar, nota da Prefeitura Municipal e posicionamento da Associação Cão Amigo. Mas, mais importante que os embates e as versões oficiais, é o que esse episódio nos obriga a encarar: a convivência diária com o abandono, a reprodução descontrolada e o sofrimento silencioso de centenas de animais nas ruas de Tarauacá.
Quatro gerações de descaso
Hoje, já é possível afirmar que temos quatro gerações de cães de rua vivendo e se reproduzindo em nosso município. Muitos deles circulam livremente, outros têm donos, mas passam o dia nas ruas, e uma parte é mantida sob responsabilidade do poder público, em um espaço improvisado, que tenta funcionar como abrigo municipal.
Não se trata de falta de compaixão. Tarauacá é uma cidade solidária, que se mobiliza quando casos chocantes como este vêm à tona. Mas compaixão, sem política pública, é um remendo moral que não resolve o problema. É preciso mais que boa vontade; é preciso estrutura, planejamento, orçamento e continuidade.
A necessidade de uma política permanente de saúde animal
A tragédia desse cãozinho ferido é mais um grito por uma política de saúde animal digna desse nome. Tarauacá precisa urgentemente implantar um Centro de Zoonoses, onde animais em situação de vulnerabilidade, doentes, feridos ou vítimas de maus-tratos, possam ser acolhidos, tratados, vacinados, alimentados e encaminhados para campanhas de adoção responsável.
Outra ação imprescindível é a castração em massa, única medida eficaz para conter o avanço populacional dos cães de rua. Essa deve ser uma política permanente, não uma ação isolada. E precisa vir acompanhada de educação comunitária, porque o abandono também nasce da desinformação e da falta de responsabilidade de parte da população.
Responsabilidades compartilhadas
A Prefeitura de Tarauacá, em nota, afirma que o animal foi atendido e que o abrigo cumpre com os cuidados básicos, além de anunciar a contratação de um médico-veterinário. São passos importantes, mas ainda tímidos diante da dimensão do problema. Já a Associação Cão Amigo lembra que sua atuação é voluntária e limitada, cabendo ao município a responsabilidade legal e financeira pelos animais.
E é exatamente aí que reside o ponto central: a causa animal é responsabilidade pública, mas também é responsabilidade social. O poder público deve liderar e estruturar as ações, mas a sociedade civil, o comércio local e as instituições podem e devem colaborar. Projetos de apadrinhamento, doações de ração, campanhas educativas e parcerias com clínicas veterinárias são instrumentos que precisam ser mobilizados.
Um caminho para o futuro
O episódio desta semana precisa ser um divisor de águas. Que a dor daquele cão não seja apenas mais um post de indignação nas redes, mas um ponto de partida para uma nova consciência coletiva. Que a Câmara Municipal, através de seus vereadores, discuta e crie leis voltadas à proteção animal. Que a Prefeitura, através da Secretaria de Saúde, implante de fato o Centro de Zoonoses. Que o Governo do Estado, por meio de suas secretarias, apoie com recursos e estrutura. E que nós, cidadãos, façamos a nossa parte, começando por não abandonar, não maltratar e denunciar quem o faz.
A forma como tratamos os animais diz muito sobre quem somos como sociedade.
Tarauacá precisa olhar para esse espelho e decidir se continuará convivendo com o abandono como se fosse normalm ou se vai escolher o caminho da responsabilidade, compaixão e civilidade.
🖋️ Raimundo Acioly
Editor do Blog do Accioly
Tarauacá – Acre
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OPINIÃO