*Por Emerson Araújo
A devoção a Maria está presente em muitas tradições religiosas, especialmente na católica. Dentro dela, esse elemento de fé nasceu, cresceu e se desenvolveu, com seus traços históricos, religiosos, doutrinários, culturais e sociais próprios.
Maria (Nossa Senhora) vem sendo uma presença viva desde o principio do Cristianismo, particularmente para o povo católico. Ajudou a moldar o rosto e a identidade da Igreja e do povo católico.
Dentro da história do Cristianismo, a devoção e o culto a Maria ganhou um forte impulso a partir do Concílio de Éfeso, reunido em 431. Esse Concílio se reuniu para combater uma linha de pensamento defendida por Nestório, (Nestoriana) patriarca de Constantinopla, que dizia haver duas pessoas em Jesus Cristo: uma divina e outra humana. Baseado nessa afirmação Nestório negou que Maria fosse a Mãe de Deus, mas apenas a Mãe do homem Jesus. Depois das discussões, o Concílio não acatou a posição de Nestório e declarou que em Jesus Cristo há uma só pessoa: a pessoa divina. Portanto, Maria é Mãe de Deus (Theotókos), porque gerou Jesus, que é Deus.
Quando a Igreja fez essa definição em favor da Maternidade divina de Maria, milhares de pessoas saíram pelas ruas, com tochas acesas, dando vivas a Nossa Senhora. Foi uma declaração oficial, com participação e apoio popular, de maneira nunca vista na Igreja.
A partir de então, houve uma grande difusão da devoção a Maria por meio de diversas vias, especialmente, de representações artísticas: pinturas, mosaicos e esculturas. Nessa época surge a primeira imagem da Mãe de Deus com o menino Jesus nos braços abençoando os devotos. Antes disso, as primeiras imagens de Maria eram as Virgens Orantes das Catacumbas, representadas de pé, rezando com os braços abertos, como era costume nos tempos iniciais do Cristianismo, ou então cenas de sua vida, relatadas pelos textos bíblicos ou nos evangelhos Apócrifos. Nessa época, introduziu-se ainda, a segunda parte da oração da Ave-Maria: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte”. É atribuída ao papa Silvestre – I, logo após Concílio de Éfeso.
No decorrer da história esse processo do culto e devoção a Maria foi evoluindo, ganhando novos contornos, sentidos e significados, sendo vivido e celebrado de acordo com o contexto e o costume de cada época.
Dentro da tradição, há ainda, as invocações a Nossa Senhora, podendo ser de origem celebrativa, histórica e popular. As celebrativas foram criadas pela Igreja e são relacionadas às celebrações católicas. Exemplo: Conceição, Ó, Guia, Assunção, Mãe da Igreja, etc. As históricas referem-se aos títulos criados durante os séculos de cristianismo e geralmente recebem o nome dos lugares onde seu culto foi iniciado. Exemplo: Caravaggio (Itália), Guadalupe (México), Penha de França (Brasil, Espanha), Lourdes (França), Nazaré (Brasil), Rocio (Brasil), etc. As de origem popular receberam denominações dadas espontaneamente pelos devotos, conforme os ritos usados ou as necessidades do momento. Exemplo: Carpição, Brotas, Boa viagem, Bom Parto, etc.
A DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA EM PORTUGAL E NO BRASIL
A devoção a Nossa Senhora é uma das mais antigas no Brasil. Aqui, foi introduzida pelos primeiros grupos de navegadores portugueses que em suas viagens pelos mares, traziam nas caravelas alguma imagem de Nossa Senhora como forma de proteção. Nessa época, era típico existir navegações batizadas com dedicações e nominações à Maria. Diz-se isso da esquadra de Pedro Álvares Cabral que era batizada com o nome de Nossa Senhora da Esperança.
Além de Nossa Senhora da Esperança, que veio na nau de Pedro Álvares Cabral, e de Nossa Senhora da Glória, que consta ter chegado à Terra de Vera Cruz em 1503, muitas outras como a do Ó, do Monte, da Luz, da Graça, da Escada, enfeitaram os altares dos mais antigos templos coloniais. Essas variadas representações e devoções à Mãe de Deus, espalhadas pelos marinheiros e colonizadores portugueses em terras brasileiras, eram inspiradas nas padroeiras de suas cidades e províncias natais.
A festa de Nossa Senhora da Glória, ou da Assunção, era celebrada com muita alegria em Portugal e em suas colônias, porque estava ligada diretamente com a história do país. Foi na véspera da Assunção de Maria que Portugal, sob a liderança de D. João I, travou uma batalha com tropas espanholas. Apesar da superioridade do exército inimigo, os portugueses não desanimaram, pois confiavam fielmente na proteção da Virgem Maria, cuja festa seria celebrada no dia seguinte. Momentos antes da luta, D. João pediu auxilio a Mãe de Deus prometendo construir um grande templo em sua honra, se os portugueses saíssem vencedores.
Enquanto acontecia a batalha, a população de Lisboa percorria as diversas igrejas fazendo preces públicas a Maria. De repente, não se sabe como, chega a notícia da vitória portuguesa trazida por um misterioso mensageiro vestido de capa vermelha; que segundo a crença, era o próprio São Jorge. A notícia da vitória só foi confirmada no dia seguinte por um mensageiro oficial do rei. Naquele momento a multidão já lotava os templos para as solenidades celebrativas entoando hinos a Maria.
A fim de agradecer a Nossa Senhora a proteção na batalha, D. João ordenou que todas as catedrais do reino fossem dedicadas à Senhora da Assunção e mandou construir um convento, denominado de Convento da Batalha, em cumprimento ao voto na inesquecível manhã de 14 de agosto de 1385.
Na Terra de Vera Cruz (atual Brasil), a devoção chegou primeiro no litoral. Nossa Senhora da Glória possuía muitos devotos no período inicial da formação do povo brasileiro e consta que a primeira igreja construída em Porto Seguro pelos colonos portugueses em 1503 era dedicada a ela.
No Rio de Janeiro, a festa é uma das mais antigas e tradicionais. Foi uma das mais populares durante o Período Colonial e o Império.
Aos poucos a devoção foi penetrando pelo interior do Brasil. No séc. XVI várias devoções que se restringiam somente ao litoral, aos poucos vão se difundindo pelo interior do país através de missões, pelas estradas, rios, migrações e das “Bandeiras”. Entre elas encontrava-se: “Nossa Senhora do Carmo, do Porto, da Oliveira, de Nazaré e da Glória.”
Os espanhóis também foram responsáveis pela introdução de algumas outras devoções a Maria em território brasileiro. É o caso de Nossa Senhora do Pilar, da Cabeça, de Monteserrate, de Penha de França, assim como algumas das invocações nascidas em suas colônias Latino-Americanas: Nossa Senhora de Copacabana e de Guadalupe.
Hoje, são muitas as capelas, igrejas e templos nascidos dessa devoção no Brasil e no mundo. No Brasil são muitas as pessoas e comunidades que, desde os primeiros passos de colonização, alimentaram-se e alimentam-se das graças derramadas por Maria ou as diversas denominações dadas a ela, como por exemplo, Nossa Senhora da Glória e tantas outras que são invocados e celebradas por todo território nacional.
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*Prof. Emerson Araújo é Professor da rede estadual de ensino do Acre. Licenciado em artes visuais, com especializações em história da arte, arte e educação e ensino religioso. Possui formação em teologia pastoral. |
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