Marco Rubio quer energia paraguaia para IA americana enquanto Brasil vira quintal das big techs. Nossa investigação revela: data centers consomem energia de 2,2 milhões de brasileiros por projeto.
Foi no pé de uma coluna do jornalista Octávio Guedes, da Globonews, publicada nesta semana, que eu li sobre um assunto que também envolveria big techs e que teria “passado despercebido”: a crise política entre Brasil e Paraguai pela venda de energia excedente produzida na hidrelétrica de Itaipu.
Já tem gente de olho nessa ‘sobra’: os EUA e suas big techs. E essa parte não pega ninguém aqui de surpresa.
Mas, voltando ao Paraguai, a Abin apurava se os EUA estariam por trás de uma campanha movida por ONGs paraguaias para que o país rompesse um acordo de décadas com o Brasil, que estabelece que o Paraguai deve dar ao Brasil o excedente de energia produzido no lado de Itaipu que ele não consumir.
A usina, que é a segunda maior barragem do mundo e fica na fronteira entre os dois países, foi construída em um acordo binacional, ou seja, os dois países têm partes e direitos iguais. Mas o Paraguai consome muito menos energia do que a produzida em seu lado, o que cria um excedente. A regra do acordo assinado em 1973 obriga qualquer um dos países a vender o excedente para o outro país. E nessa, o Brasil virou cliente cativo do Paraguai.
Mas, nos últimos anos, o Paraguai tem se incomodado com o acordo e manifestado interesse em rompê-lo para poder vender a energia para outros consumidores a um preço mais interessante. Em 2024, os dois países reformularam o acordo, que prevê que, a partir de 2027, o Paraguai poderá vender seu excedente direto no mercado livre brasileiro, para qualquer indústria.
E quem está de olho nesse excedente? Em maio, o secretário de Estado norte-americano Marco Rubio disse que a Casa Branca teria interesse em comprar o excedente de energia paraguaia para abastecer a inteligência artificial. “Alguém esperto precisa ir ao Paraguai e abrir uma instalação de IA”, disse Rubio.
O movimento das big techs de tentar instalar data centers na América Latina não tem passado despercebido por nós aqui no Intercept. Nos últimos meses, eu tenho dedicado boa parte do meu tempo a investigar a chegada desses mega data-centers ao Brasil.
A energia está no centro desse movimento por um motivo muito simples: nós aqui temos energia, boa parte oriunda de fontes limpas, enquanto, nos Estados Unidos, a falta de energia está sendo um impeditivo à expansão do desenvolvimento de IA. A demanda por energia de IA tem reacendido, literalmente, o interesse por usinas à base de carvão – algo que deveria ter ficado no século passado, tamanho o potencial poluidor.
Mas não é porque o Brasil tem disponibilidade de energia limpa, especialmente no Nordeste, que queremos virar quintal de big techs e dos Estados Unidos.
Mas, infelizmente, o que nossas investigações têm mostrado é que a chegada dos data centers ao Brasil tem sido nessa lógica de entreguismo, sem que o Brasil e nosso setor tecnológico ganhem nada com isso.
E esse processo também tem ocorrido a portas fechadas, longe da população. Muitas das comunidades que receberão esses data centers sequer foram avisadas. Só ficaram sabendo dos data centers quando estivemos lá fazendo nossa apuração ou quando nossa reportagem foi publicada.
O que defendemos é que os brasileiros tenham informações qualificadas sobre esses projetos, seus impactos, para que possam decidir se querem que eles sejam instalados. E o jornalismo tem um papel crucial nisso.
Nós conseguimos, por exemplo, acessar documentos que as empresas querem manter sob sigilo a todo custo e que mostram que o consumo de energia de apenas um desses projetos equivale ao de 2,2 milhões de brasileiros. Nossas reportagens viram insumo para que a população possa se organizar e demandar respostas do poder público para esses projetos.
(the intercept)
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THE INTERCEPT