O Juiz Maciel de Souza, determinou a pedido do Ministério Público Estadual o cancelamento do show do cantor Renanzin Pressão, que seria realizado na segunda-feira (24) , em alusão ao 110° aniversário do município de Tarauacá. Além de cancelar o show, o magistrado proibiu a transferência de qualquer quantia ao músico, sob pena de multa de trezentos mil reais.
Maria Lucinéia,
Prefeita de Tarauacá
LEIA A DECISÃO NA ÍNTEGRA
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO ACRE Vara Cível da Comarca de Tarauacá __________________________________________________________________ 1 Endereço: Av: Antônio Frota, 370, Centro - CEP 69970-000, Fone: (68) 3462 -1314, Tarauacá-AC - E-mail: vaciv1tr@tjac.jus.br - Mod. 19620 -
Autos n.º 0800065-13.2023.8.01.0014
Autos n.º 0800065-13.2023.8.01.0014
Classe Ação Civil Pública
Requerente Ministério Público do Estado do Acre
Requerido Municipio de Tarauacá
Decisão
Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de tutela de urgência ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE em desfavor do MUNICÍPIO DE TARAUACÁ. Em síntese, pleiteia o Parquet tutela de urgência tendo por objeto a suspensão/cancelamento do show artístico “Renanzin Pressão”, agendado para ocorrer durante a comemoração no aniversário do município, previsto para o dia 24 de abril de 2023.
Indica, o Parquet, a necessidade de direcionamento das verbas públicas municipais com gastos objetivando a pavimentação de vias públicas, a melhoria dos serviços de saúde, de educação, de saneamento básico, a melhoria da qualidade na distribuição de merenda escolar, dentre outros, sendo que a realização do excessivo gasto com o show estaria em desacordo com os princípios da moralidade, publicidade e segurança jurídica.
Diante disso, requer, o Ministério Público do Acre, que seja concedida ordem de tutela de urgência consistente na imediata suspensão da realização do show nacional do cantor “Renanzin Pressão”, impondo, ainda, obrigação de fazer ao Município de Tarauacá para que se abstenha de efetuar quaisquer pagamentos/transferências financeiras decorrentes do contrato estabelecido para a contratação do artista mencionado, sob pena de multa.
A petição inicial veio acompanhada dos documentos.
É o relatório.
Decido.
A ação civil pública é demanda vocacionada à proteção e garantia de interesses difusos e coletivos, bem ainda, nos termos do art. 1º da Lei n. 7.347/85, busca-se com ela a responsabilização por danos morais e patrimoniais causados: l - ao meio-ambiente; ll - ao consumidor; III a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. V - por infração da ordem econômica; VI - à ordem urbanística; VII à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos; e VIII ao patrimônio público e social.
No caso dos autos, o Ministério Público, em suma, ao indicar violação aos princípios da moralidade, da publicidade e da segurança jurídica, dentre outros, objetiva que seja deferida tutela de urgência da forma a evitar dano ao patrimônio público.
A tutela antecipada, tendo natureza satisfativa, nada mais é do que o deslocamento, para o início do processo, do julgamento de matéria de mérito, desde que presentes, por óbvio, os requisitos legais. Trata-se de antecipação da tutela final. A decisão de antecipação de tutela é proferida em sede de cognição sumária, ou seja, ato de inteligência por meio o qual o magistrado resolve uma questão, sem exame profundo acerca da existência do direito, em razão da urgência e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.
A cognição sumária, deve-se ressaltar, dispensa a necessidade de certeza, sendo suficientes os juízos de probabilidade e verossimilhança, conduzindo a decisões limitadas a afirmar o provável.
Nessa seara se insere o disposto no artigo 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Quanto à probabilidade do direito (fumus boni iuris), trata-se de análise que é feita em cognição superficial, de forma que basta que com os documentos juntados pelo autor, o Juiz se convença da possibilidade de existência do direito alegado (tal constatação não gera um juízo valorativo antecipado acerca da questão). No tocante ao periculum in mora, consubstancia-se no risco que a ausência da medida impõe ao litigante de sofrer prejuízo irreparável ou de difícil reparação. Na tutela antecipada caberá à parte convencer o juiz de que, não sendo protegida imediatamente, de nada adiantará uma proteção futura, em razão do perecimento de seu direito.
No caso concreto dos autos, no que diz respeito à probabilidade do direito, esta se faz devidamente presente ante a vasta documentação apresentada pelo Ministério Público, que comprovam a contratação do show artístico ("Renanzin Pressão"), embora não tenham sido publicados valores da contratação, ao passo em que serviços públicos básicos e essenciais, supostamente, não estão sendo ofertados à população em atendimento ao mínimo exigível, tendo em vista todo o arcabouço de direitos fundamentais (individuais e sociais) elencados na Carta da República de 1988.
Da narrativa ministerial e da documentação juntada aos autos, verifica-se importante déficit de atuação da Administração Municipal, na promoção de interesses prioritários da população, vale dizer, que tocam a própria dignidade dos administrados, destacando-se a necessidade implantação de um CAPS I, implantação de aterro sanitário, pavimentação de ruas e esgotamento sanitário, contratação de médicos para a rede municipal de saúde, melhoria na qualidade das escolas municipais e na merenda escolar, reajuste salarial para profissionais da área da saúde, falta moradias populares, inexistindo qualquer loteamento público de caráter social, dentre outros.
Sabemos que é responsabilidade concorrente dos Estados e Municípios garantir o acesso ao cidadão aos direitos a saúde, educação, alimentação, e moradia, nos termos da Constituição Federal, sendo tais direitos considerados básicos, prioritários, intimamente ligados à dignidade da pessoa humana.
O Poder Público, na aplicação das verbas públicas, que é limitada e escassa, deve pautar-se, portanto, pela priorização da satisfação dessas necessidades mais básicas e prioritárias da população, com esforço concentrado em garantir o mínimo existencial, não sendo admitidas, sob pena de se violar a moralidade administrativa, condutas do administrador que coloquem esses direitos mais essenciais em um patamar de segundo plano.
Nessa linha de entendimento, em sede de cognição sumária, tenho que a aplicação de dinheiro público na contratação de show artístico da monta mencionada, diante dos altíssimos valores envolvidos, em regra, especialmente em tempos de crise econômica e escassez de recursos públicos, não está alinhada aos ideais de razoabilidade e eficiência administrativas, vale dizer, que devem reger o administrador na gestão republicana do patrimônio do Povo.
Ainda, há indícios de que sequer tenha sido publicado o ato de contratação direta, omitindo-se os valores dispendidos, ferindo o princípio da publicidade.
O art. 37, “caput”, da Constituição Federal estabelece que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deve obediência aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Tem sede constitucional, portanto, a imposição à Administração Pública do dever gerir o dinheiro público visando ao interesse público e ao bem comum, servindo-se, o gestor público, dos princípios da moralidade e da eficiência, como guias da sua atuação.
Tendo por base tais princípios, fica evidenciado que, na escassez de recursos, deve-se, primeiramente, buscar o atendimento dos interesses prioritários, dispensando-se recursos aos direitos secundários (como é o caso, por exemplo da promoção do lazer, que está em patamar inferior, se confrontado com os direitos à saúde, educação, alimentação e moradia) somente quando se constatar que já exista o atendimento (pelo menos) razoável do mínimo existencial ao cidadão no que diz respeito aos ditos interesses/direitos de primeiras necessidades. Inverter essa ordem de prioridades seria subverter a ordemconstitucional e desconsiderar a dignidade da pessoa humana.
Portanto, a liberação de vultosa quantia de verba pública para custear shownacional, atendendo a interesses secundários, havendo clara necessidade de atuação da Administração Municipal em setores estratégicos do Município de Tarauacá, notadamente nas áreas de educação, saúde, moradia, saneamento e merenda escolar, inexistindo satisfação razoável atual de tais interesses, fere (num juízo de cognição sumária) a moralidade, a eficiência e a razoabilidade administrativas.
Não se estar aqui a olvidar que a Administração Municipal, por meio de eventos como esse (no caso, o "Aniversário da Cidade"), esteja fomentando setor cultural e o lazer da população, incentivando o turismo e a economia local, gerando riquezas e benefícios ao comércio, contudo, deve-se buscar uma medida razoável, que esteja de acordo com as condições financeiras do Município (especialmente no momento atual de crise financeira pela qual passa o pais, recém saído de uma pandemia), sem descuidar das necessidades básicas e mais fundamentais da população (estas devendo ser atendidas prioritariamente).
O que está sendo questionado nos autos, não é o evento em si, mas a incompatibilidade do gasto pretendido pelo Município com a contratação de show artístico com as prioridades orçamentárias locais fundamentais e ligadas ao mínimo existencial.
No tocante ao perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, o periculum in mora, encontra-se consubstanciado no risco da ineficácia do provimento jurisdicional tardio. Isso porque, caso não haja suspensão do show, o evento se realizará e o gasto público ocorrerá em prejuízo de serviços públicos essenciais.
Evidente ser legítima a intervenção do Poder Judiciário no caso concreto dos autos, sem se vulnerar a separação dos poderes, pois o ato administrativo discricionário tido por ilegal e abusivo é passível de controle judiciário. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 557 DO CPC. APLICABILIDADE. ALEGADA OFENSA AO ART. 2º DA CF. ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. ILEGALIDADE. CONTROLE JUDICIAL. POSSIBILIDADE. APRECIAÇÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Matéria pacificada nesta Corte possibilita ao relator julgá-la monocraticamente, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil e da jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. 2. A apreciação pelo Poder Judiciário do ato administrativo discricionário tido por ilegal e abusivo não ofende o Princípio da Separação dos Poderes. Precedentes. 3. É incabível o Recurso Extraordinário nos casos em que se impõe o reexame do quadro fático-probatório para apreciar a apontada ofensa à Constituição Federal. Incidência da Súmula STF 279. 4. Agravo regimental improvido. (AI 777.502-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 25.10.2010).
Pelo exposto, com fundamento no artigo 300, ambos do Código de Processo Civil, CONCEDO a tutela de urgência requerida pelo Ministério Público Estadual para fins de:
A) SUSPENDER a realização do SHOW NACIONAL artístico do artista “RENANZIN PRESSÃO”, previsto para acontecer no dia 24 de abril de 2023, na cidade de Tarauacá, durante a comemoração do Aniversário do Município, bem como determino que o Município requerido se abstenha de efetuar quaisquer pagamentos/transferências financeiras decorrentes do contrato estabelecido para a contratação do artista mencionado, sob pena de incidência de uma multa única no valor de R$300.000,00, em caso de descumprimento, incidindo a multa pessoalmente à Prefeita Municipal de Tarauacá;
B) determinar que o Município de Tarauacá adote todas providências necessárias para que, no prazo de 06h (seis horas), a contar da intimação da Prefeita e da Procuradoria-Geral do Município, divulgue na página principal do sítio eletrônico municipal (e ainda na sua página no INSTAGRAM), comunicando o CANCELAMENTODO SHOW do artista “Renanzin Pressão”, sob pena de multa no valor de R$10.000,00, em caso de descumprimento, por cada hora de atraso, a incidir diretamente sobre a pessoa da Prefeita Municipal.
Fica autorizado, o oficial de justiça, para o fiel cumprimento da presente decisão de antecipação de tutela, sem prejuízo da multa cominada no item "A" supra, com auxílio da Polícia Militar, se for o caso, diante da eventual presença do cantor “Renanzin Pressão” para a realização do Show, suspender o fornecimento de energia elétrica no dia, local (palco) e horário marcado. Consigne-se a observação no mandado.
Espeça-se MANDADO de intimação à Prefeita Municipal de Tarauacá e ao Procurador-Geral do Município de Tarauacá, para ciência desta decisão. Deverá o mandado de intimação ser cumprido pelo Oficial de Justiça em regime de URGÊNCIA, no prazo máximo e improrrogável de 06 horas. Consigne-se no mandado a observação do prazo para cumprimento, devendo o Diretor de Secretaria da Vara Cível, por telefone, ainda, dar ciência à CEMAN e ao oficial de justiça para quem for distribuído.
Cite-se o demandado.
Cumpra-se.
Expeça-se o necessário com urgência.
Tarauacá-(AC), 23 de abril de 2023.
Marcos Rafael Maciel de Souza
Juiz de Direito Plantonista