(MEMÓRIA MUSICAL DE TARAUACÁ II) - Notas a lápis - José Potyguara




Seabra é, incontestavelmente, uma terra rica de elementos artísticos.

Não só na música, como no theatro possuímos amadores e, especialmente, amadoras que são verdadeiras revelações. Muito nos honra, por exemplo, uma eximia pianista como dona Maria Amelia Magalhães, uma voz privilegiada como a de dona Irene Tocantins Frota, e, sobretudo, um maestro do quilate de Mozart Donizetti, inspirada alma de artista numa velha carcaça de bohemio.

A elle, aos seus profundos conhecimentos da téchnica musical muito deve o nosso meio artístico que, após sua chegada, tomou considerável desenvolvimento.

Temos tido, aqui, concertos e festas de arte que não envergonhariam qualquer centro civilizado do sul do Paiz. E é sempre com saudades que relembro as agradáveis tertúlias realizadas em casa do meu bom amigo dr. Sansão Gomes, nas quaes a gentileza de Edméa nos proporcionava deliciosas horas de fina e escolhida música, a cuja interpretações sabia ella emprestar toda a suavidade, todo o profundo sentimento de sua inteligência.

As festas de domingo último, em homenagem ao terceiro aniversario da operosa administração do dr. Hugo Carneiro, vieram confirmar o progresso artístico dos seabrenses; e a linda festa escolar que as exmas. sras. professoras do Grupo “João Ribeiro” realizaram, pela manhã, provou que, em Seabra, as artes têm cultores até entre as creanças.

Raymundo Acreano, por exemplo, é uma interessante miniatura de cômico. Portou-se admiravelmente em todos os papeis, especialmente no monólogo O Boliçoso. O pirralho não é bem gente e promete bastante. Aliás, elle já angariou, de há muito, as sympathias da platéa, quando, na cançoneta A malandragem, sahiu-nos um farrista e tanto, um pau-d’água de peso e medida.

Mas Raymundo Acreano não é o único do Grupo Escolar; temos ainda, ali, outras artistazinhas que não ficam atraz: – Maria Amelia Mourão, Gilda Farias, Julieta Fiuza e Odilia Silva, 4 interessantes cantadoras do tampo da viola que, na e[...] Bambo – bambú, mer[eceram] francos aplausos; – Amélia Mourão que, com Odilia Silva, formou um cazalzinho de negros endiabrados. Haydée Lago deu-nos uma Don[...] ...miga cavaquista e impagável. Bem se reconhece que Haydée é sobrinha da senhorita Dida Logo, a meu ver, a melhor amadora que Seabra possúe, pela sua invejável naturalidade. Ainda perdura no espírito de todos a lembrança da perfeita caricata que ella incarnou no papel de Quiteria, a ingênua matuta, namorada do inesquecível Chico Raimundo.

Outra nota distincta das festas de domingo passado foi incontestavelmente o concerto-baile offerecido pela Municipalidade à sociedade seabrense.

O programma, organisado a capricho sob a orientação do maestro Mozart Donizetti, foi iniciado com o lindo foxtrot Zé Nilson, de sua autoria, executado em “jazz-band”; número inédito, por ser esta a primeira vez que se ouve em Seabra, a barulhenta música americana.

Seguiu-se-lhe Andalouse – de Emile Pessard, lindo solo de flauta executado pelo dr. Leoncio Rodrigues, acompanhado, ao piano, por dona Maria Amélia Magalhães.
A belleza sem par dos nossos sertões foi brilhantemente realçada, num verdadeiro “hymno triumphal”, pela doçura da voz da senhorinha Guaracyaba Oliveira, em “Prece ao Sertão”, producto do talento de dois artistas: Mozart Donizetti, na música; Benedicto Bellém, na poesia.

No quinto número – Sous ta feuillée – de Francis Thomé, o nosso maestro executou magnifico solo de saxophone com o concurso da senhorinha Aldira Gondim, ao piano.

Maria Amelia Mourão, que, pela manhã, na festa escolar, já nos dera uma mimosa Geisha de vozinha melodiosa e terna, à noite, no papel de Talan, lindo tango-argentino cujo sentimento interpretou com tal intelligência que conseguiu commover toda a assistência.

Serenata foi o sétimo numero do programma. Mozart Donizetti, o festejado autor de [parte faltando] e de Alucinação [...].
[parágrafo incompleto]
É esta, justamente, a agradável impressão que se tem ao ouvir Serenata. É um mimoso chromo musical de harmonias sublimes que descrevendo a poética belleza de uma serenata em noite de luar, deixa no espirito de quem ouve esse bem inexplicável, essa verdadeira “alegria de viver” de que nos fala o illustre escriptor amazonense.

Começando com sentimental solo de bandolim, após alguns compassos de delicada valsa em que a melodia de uma flauta, em surdina, entrelaça ao som choroso dos violões, toda a orchestra arremessa-se em cascatas de harmonia até que, com as badaladas das cinco horas da manhã, ouve-se lá, ao longe, o clarim do toque da alvorada.

Nada escapou à fina observação do inspirado compositor: desde as vozes, em coro, dos serenatistas, até o longínquo ladrar dos cães nocturnos.

E assim, o sumptuoso concerto-baile da noite de domingo, constituindo uma brilhante homenagem ao benemérito governador do Território, foi, também, um eloquente attestado do gráo de cultura artística do povo seabrense.

POTY
Seabra, 19 – junho - 1930
Jornal A Reforma, Tarauacá-AC, 22 de junho de 1930, Ano XIII, n. 606, p. 1 e 4.

(Por Isaac Melo)

Postar um comentário

ATENÇÃO: Não aceitamos comentários anônimos

Postagem Anterior Próxima Postagem