"ACREDITOU EM FAKE NEWS. DIZIA QUE ERA GRIPE NORMAL"

Adriana Avanci conta que a mãe, Maria das Graças, dizia que a doença era apenas uma gripe e que dados de mortes eram inflados. Nesta semana, o g1 publica uma série de reportagens com histórias de pessoas que sofreram na pele as consequências do negacionismo e das fake news.

Nikolas Espindola /G1

Adriana Avanci diz que a mãe, Maria das Graças, de 71 anos, não acreditava na Covid-19 por causa de fake news. Quando a filha e depois ela própria ficaram doentes, Maria das Graças ignorou as orientações do médico, mentiu para a família e falou que não passava de uma gripe. Ela morreu sem acreditar que estava com a doença.

O g1 publica nesta semana uma série de reportagens com histórias de pessoas que sofreram na pele as consequências do negacionismo e das fake news durante a pandemia.


Ela ignorou o médico, mentiu para a família e morreu sem acreditar que estava com Covid

Veja o depoimento completo de Adriana Avanci, professora de Ribeirão Preto (SP):

“No começo da pandemia, nós tivemos um problema. A minha mãe tinha depressão. Então, se eu isolasse ela completamente, ia ficar muito difícil.

A gente sempre se encontrava com segurança. A gente ia na casa dela e ela na minha, sempre de máscara. Mas ela não aceitava. Eu punha a máscara, meu filho punha, mas ela não queria pôr. A gente tinha que ficar brigando.

Ela falava daquele povo, que punha as covas abertas e ninguém enterrado. Que era tudo mentira, que essa gripe era uma gripe normal, como todas as outras. Então foi muito difícil fazer ela fazer um isolamento. Ela não fazia.

Nós tentamos argumentar com ela com fatos de outro país. Ela falava que aqui era briga política. Aí a gente falava: ‘Tá, aqui tá tendo briga política, mas e lá na Itália, qual é a briga que tá tendo lá e que morrem tantas velhinhas por dia?’. Ela falava que era o tanto que tinha que morrer.

Ela era católica. Mas daquelas católicas muito fervorosas. Então ela achava que não ia morrer antes da hora. Eu falava: 'Mãe, tem gente que procura morte, tem gente que se mata, é uma forma de suicídio que a senhora tá fazendo, a senhora não tá querendo se cuidar’.
Quando ela me mostrava aquelas mensagens [falsas], eu nem sabia nem o que argumentar. Aquele monte de cova aberta. Que era tudo mentira, que o presidente falou que era uma gripezinha. Mostrava os hospitais vazios. Não sei em que bendito de hospital que esse povo ia, que o hospital estava vazio.

Ela entrava no Youtube. Ela falava assim, que se ela estivesse errada, quando ela abrisse o Facebook, o Youtube, não ia vir essas reportagens pra ela.

Aquilo ia reforçando [as mensagens falsas] na cabeça dela. A hora que você abria [o Youtube] já era Bolsonaro, fake news de Covid, que não existia a doença... Era só isso [fake news] que ela via, só isso que ela recebia.

Ela ficava aqui na minha casa, ela não conversava com a gente, ficava só no Youtube. Ou ela estava ouvindo essas notícias mirabolantes que só ela achava. Era só isso. Se a gente fosse falar qualquer coisa contra, ela não aceitava.

Uma amiga nossa, ela é fisioterapeuta, e aí ela veio fazer acupuntura. Quando foi na segunda-feira, ela ligou falando que testou positivo [pra Covid-19].

Eu fiquei bem ruim que precisei ir pro hospital. No hospital, me deram os medicamentos e já colheram o exame. Só que ela [minha mãe], meu marido e meu filho não tinham nada no início.

Meu teste saiu positivo. Depois de um tempo, falei pro meu marido ir ao hospital. Ele estava começando a ficar com o corpo esquisito. E aí nós obrigamos minha mãe a ir. Só que ela foi emburrada para o hospital. Ela não queria porque não estava sentindo nada. Aí falei: ‘Mãe, eu estou sentindo e tem gente que é assintomático. A senhora pode não sentir, mas pode passar para alguém’.

Nós ligamos na casa dela e ela estava lá, brava, porque ela foi ao médico sem precisar. ‘Eu andei na chuva pra ouvir o médico falar o que pra mim? Que eu estava melhor que ele, que eu não tinha nada.’ Brigou, falou horrores porque nós fizemos ela ir.

A gente fazia ligação de vídeo. Depois de um tempo, falei: ‘Mãe, a senhora tá começando com [sintoma de] gripe, vai no médico’. E ela: ‘Não, eu tô com uma gripe, eu sempre tive, é gripe, é gripe’. Eu falei: ‘Mãe, não é, é Covid’.

Ela falou assim pra mim: ‘Te enfiaram Covid. Não é Covid. Te deram esse atestado porque os hospitais e os médicos ganham muito dinheiro para falar que você tem Covid. Então eles vão pôr que você tem Covid mesmo. É o seguinte, você e seu marido são muito fracos. Não me liga mais. Se você estivesse com câncer, eu ia ter dó de você. Mas você tá com gripezinha se fazendo de mole. Então não me liga mais’.

Nossa, eu fiquei tão brava... Eu liguei de novo depois de uns dias. Na ligação, eu vi que ela estava diferente. Ela estava pálida e suando. ‘Mãe, a senhora não foi ao hospital, mãe?’. ‘Eu estou ótima’. Falei: ‘Mãe de Deus, eu estou vendo a senhora desmanchando aí na cama de calor’. ‘Você vai começar com esse assunto, eu vou desligar o telefone.’

No áudio que ela mandou para a minha prima, ela falou que estava morrendo, que daquela noite ela não passava, que ela estava com muita dor nas costas e que os filhos não ligavam.

Eu já estava um pouco melhor, então já peguei o carro e levei ela para o hospital. Ela foi internada. Liguei de novo e ela começou a falar: ‘Esses enfermeiros vão me matar, eles vão falar que eu estou com Covid para eu virar estatística e eles ganharem dinheiro.'

Na sexta, eu liguei de novo e ela já estava com a máscara de oxigênio. Ela falou: ‘Vem me buscar’. Falei: ‘Vou, agora. Tira a máscara e conversa comigo 10 minutos. Aí eu vou te buscar’. Ela não conseguia nem tirar a máscara para falar ‘oi’ mais.

Ela falou: ‘Eles estão querendo me levar para a UTI, na UTI vão me matar. Eu vi no Youtube que eles matam as pessoas para depois falar que eu tenho Covid’.

Ela foi entubada, pois ela já não conseguia mais. Aí passou a semana. Eles me ligaram falando que ela tinha falecido. Eu acho que ela foi entubada acreditando que eles iam matá-la. Ela morreu sem saber.

Depois de um tempo, meu irmão foi lá na casa dela. Chegou lá mexendo nas coisas dela. O que ele acha? A receita. Ela falou que o médico tinha falado que ela estava ótima, maravilhosa. Mas ele deu tudo para ela tomar. Tudo. Ele falou para ela o que ela tinha que fazer. E ela optou por não fazer.

Aí é aquela revolta… Ela não acreditava nos filhos. Eu falava isso para ela. Falei: ‘A senhora acha que eu quero o seu mal e que essas pessoas do Youtube, que eu nem sei quem são, te amam’.

Ao mesmo tempo que eu me culpo porque eu acho que ela pegou de mim, eu acho também que, se ela tivesse se [cuidado]… Se tudo pudesse ser diferente, sabe? E se ela tivesse acreditado? E se ela tivesse confiado em nós? E se eu não tivesse pego ela na casa dela? E se eu deixasse ela sozinha? É tudo um ‘se’ agora.

O que me falta hoje é a presença dela. Para contar as coisas que eu estou conquistando e que ela não está aqui pra ver. Eu tenho saudade até das brigas.

É difícil. Tem hora que eu não acredito. Eu não vivi o luto dela ainda. Como eu não pude enterrar, como eu não vi ela doente, eu sonho que ela está viva, brigando comigo porque eu vendi as coisas dela. Eu quero falar uma coisa para ela… e não tem jeito.

Se eu não pude salvar a minha mãe, eu espero que eu consiga salvar uma [outra pessoa com essa história]. Que entenda a importância de pequenos detalhes.

O povo acredita na palavra de tal político, de tal pastor... Eles acreditam em tudo, menos na ciência. Eu acho que as pessoas tinham que olhar para esse tanto de mortes. É uma gripe? É uma gripe. Mas ela não é uma gripe comum. Ela é uma gripe que mata.

Se a gente pode tomar vacina, vamos tomar a vacina. Vamos nos cuidar. Vamos usar máscara.”

Do G1

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