Antigos aliados, grupos de caminhoneiros agora miram no presidente e prometem greve a partir desta segunda. Governo encontra pouco espaço de manobra para acalmar categoria.
Wallace Costa Landim, conhecido como chorão, foi um dos líderes da greve dos caminhoneiros em 2018.REPRODUÇÃO FACEBOOK
Em maio de 2018, centenas de caminhões pararam nas estradas do Brasil como protesto contra os sucessivos aumentos no preço do combustível. Uma parte considerável deles ostentava em seus para-brisas bandeiras de apoio ao então pré-candidato à Presidência, Jair Bolsonaro. Quase três anos depois, a ação, que gerou o caos e deixou mercados sem estoque pelo país, ameaça se repetir. Mas, dessa vez, colocará de lados opostos Bolsonaro, agora presidente, e os manifestantes. A insatisfação dos caminhoneiros com o Governo Federal aumentou após uma nova elevação do preço do óleo diesel pela Petrobras. Com isso, parte da categoria, que não é coesa, afirma que iniciará uma nova greve nesta segunda-feira, 1º de fevereiro. Bolsonaro tem feito sucessivos apelos aos antigos aliados para que a categoria desista da paralisação, mas não conseguiu convencê-los até o momento.
Para tentar bloquear o ímpeto grevista, o presidente afirmou que pretende reduzir os impostos sobre o diesel para aliviar o bolso dos trabalhadores e compensar a alta de 4,4% do preço do combustível ocorrida na última terça-feira. Explicou, no entanto, que a conta para retirar os impostos não é fácil. Cada centavo na redução do PIS/cofins sobre o diesel representa um impacto de 800 bilhões de reais nas contas públicas, que já estão no vermelho há seis anos. Um peso alto diante de uma crise econômica que já se agudiza com a pandemia de coronavírus.
O aceno de Bolsonaro não convenceu a categoria, segundo o presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, conhecido como Chorão. “Queremos saber como isso vai ser feito, de onde vai tirar esse dinheiro, qual a mentalidade do ministério da Economia. Queremos um estudo, algo concreto”, explica Landim, que foi um dos líderes da greve dos caminhoneiros em 2018, que durou 11 dias e criou grandes prejuízos econômicos para o país.
O presidente da Abrava afirma que as falas de Bolsonaro em sua campanha presidencial precisam ser cumpridas. “Ele falava do preço do combustível, dos valores exorbitantes de pedágio, de que isso não podia acontecer. E acreditamos nele. A categoria fez uma campanha totalmente gratuita para Bolsonaro, com apenas o pedido de que as nossas demandas fossem atendidas. As leis que conquistamos precisam ser cumpridas. “Eu já recebi ligação do presidente no meu telefone. Agora, ele não quer nos escutar”, explica Lamdi, que informou na tarde desta sexta-feira que a Abrava não irá participar da paralisação na segunda-feira. Segundo a associação, alguns grupos estão aproveitando o movimento de luta para garantia do cumprimento de leis da categoria e de redução de impostos de combustíveis para incluir pautas como fora Bolsonaro, João Doria e fechamento do STF. “Estão tentando utilizar a categoria de caminhoneiros como massa de manobra e perdendo o objetivo de luta de direitos da categoria”, diz a Abrava em nota.
A pauta de reivindicações dos caminhoneiros não se resume ao valor do diesel. Entre as demandas, estão questões como fiscalização do piso do frete, incentivo à renovação de frota e crédito para a manutenção dos caminhões, melhoria das rodovias e conclusão do Documento de Transporte Eletrônico (DTE).
Na tentativa de acalmar o ânimo dos caminhoneiros e não perder apoio da categoria, Bolsonaro pediu à Câmara de Comércio Exterior (Camex) para zerar o imposto de importação sobre pneus para veículos de carga, pedido que foi aceito. A categoria também foi incluída no grupo prioritário de vacinação contra a covid-19.
Como a representação sindical dos caminhoneiros é pulverizada em diferentes associações e entidades em todo o país, é difícil avaliar qual de fato é a adesão atual à proposta de paralisação. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), que diz reunir 800.000 motoristas autônomos, afirmou que participará da greve. Já a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) se posiciona contrária à paralisação e afirma que apesar das dificuldades dos caminhoneiros, este não é o momento ideal para uma greve, principalmente em virtude da delicada realidade que o país está passando. Ainda de acordo com a CNTA, o transporte rodoviário de cargas tem sido foco de diálogos e projetos constantes pelo Governo.
Na avaliação de Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências, a margem de manobra do Governo para tentar agradar os caminhoneiros é limitada devido a situação fiscal do país e há ainda um limite até aonde o presidente pode interferir, por uma questão regulatória e das leis de mercado, segundo Cortez. “A bandeira do Governo é uma melhoria na qualidade setorial e não intervenção política de curto prazo, olhando para a estabilidade de mercado”, diz. “É bem possível que Bolsonaro tenha uma perda do apoio dos caminhoneiros que foi muito significativo nas eleições de 2018 e com esses desgastes não seja sentido com a mesma força em 2022″, explica.
Para ele, apesar da pressão da categoria nas últimas semanas, o clima de insatisfação agora parece menor do que em 2018, o que deve impactar o tamanho da organização. Mesmo assim, o desgaste serve de alerta para o Governo, que pode perder uma frente importante de aliados. “O presidente vai tentar fazer o possível para barrar essa greve ou pelo menos minimizar o tamanho do ato. A repetição do que foi 2018 seria mais um baque e mais um elemento de perda de popularidade no curto prazo, até porque esse primeiro trimestre ainda vai ser de muitas notícias negativas da pandemia e da economia”, diz.
Para além dos próprios caminhoneiros, uma greve ampla pode ainda causar impacto em outros setores da sociedade, já que pode afetar o dia a dia da população, com a falta de mercadorias nos supermercados ou de combustível nos postos. Pesquisas recentes apontam que a gestão de Bolsonaro já é reprovada por seis em cada dez brasileiros e que 53% das pessoas já aprovam um impeachment.
Na última quinta-feira, Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras, afirmou que a ameaça de greve de caminhoneiros para pressionar pela redução de preços do diesel não é problema da estatal, que segue praticando valores de paridade internacional, de acordo com ele. O executivo pontuou que “constantemente grupos de pressão recorrem aos políticos para intervir” nos preços da companhia. “Todo mundo sabe onde bater, na porta da Petrobras”, ressaltou.
FONTE: ELPAÍS