Você já se perguntou qual a origem da carne que você compra no açougue, se tem inspeção sanitária e qual a procedência do abate do animal? A grande maioria talvez nem tenha pensado nessa situação, mas deveriam. Porque consumir carne abatida de forma clandestina é um risco para você e sua família. Conforme Relatório de 2013 da Agência de Alimentos das Nações Unidas, cerca de 70% das novas doenças que infectaram os seres humanos nas últimas décadas têm origem animal, alertando que está se tornando mais comum que doenças mudem de espécies e se espalhe na população, em meio ao crescimento das cadeias de agricultura e de abastecimento alimentar.
Em Tarauacá, entorno de 30% da carne bovina consumida pelos munícipes são abatidas de forma clandestina, alerta Ivan Rios, proprietário do único frigorifico da cidade, o Frigo Rios. O que causa uma grande preocupação, haja vista que a carne levada à mesa dos tarauacaenses pode estar contaminada. Destarte, que estudos realizados por órgãos de saúde pública comprovaram que existem, atualmente, mais de 30 doenças transmissíveis via carne contaminada. Entre as principais zoonoses, encontram-se a tuberculose, cisticercose, brucelose, botulismo, aftosa e raiva.
Além da situação que compromete a saúde, o abate de animal de forma clandestina diminui o número de empregos que seriam gerados nos abatedouros regulamentados por lei. Porque se abate poucos animais, logo precisará de pouca mão de obra, além disso, gera menos dividendos ao Estado.
Durante quinze dias, a equipe de reportagem do Portal Tarauacá ouviu autoridades sanitárias do município, IDAF, criadores de animais, o Ministério Público e o delegado da cidade, bem como Ivan Rios, proprietário do Frigo Rios, para tratar sobre o tema.
Vigilância Sanitária
Um fiscal da Vigilância Sanitária do município, o único por sinal, disse ao site que atualmente tem cerca de 43 açougues em funcionamento. O fiscal estava afastado inclusive, pois durante à pandemia estava na equipe na barreira sanitária e estava com suspeita de covid-19. O órgão tem uma pessoa nomeada (coordenador) e o fiscal. Sendo que o atual coordenador tinha assumido o posto fazia cerca de oito dias.
Ele informou que realiza fiscalização, mas apenas uma pessoa dificulta bastante o trabalho. Com relação ao nosso questionamento, o fiscal afirmou que no órgão não tem nenhuma denúncia no tocante, mas que realizou uma fiscalização em todos os locais para emitir laudos a pedido do Ministério Público, contudo, já faz alguns meses.
Venda de carne
O coordenador do Mercado Municipal, Raimundo Ximenes, disse que antes da pandemia era vendido cerca de dois a três bois por dia no mercado, mas com aumento da crise devido o coronavirus, diminuiu as vendas. Outra informação colhida pela equipe de reportagem, é que nos locais que funciona como mercearia ou supermercado, a média de bois também chega a três bois. Sendo que temos três supermercados grandes e o mercado público. Por esta lógica no dia que saem doze bois do Frigo Rios seriam todos entregues nestes locais e os demais lugares de onde vem a carne? Reflitam.
Frigo Rios
Segundo Ivan Rios, a grande preocupação dele, é que a carne clandestina traga problemas para os clientes e para sua empresa- por conseguinte, pois é a única que tem autorização do IDAF (Instituto de Defesa Agropecuária do Acre) para o abate de carne em Tarauacá. “Uma pessoa que consome carne clandestina, por exemplo, um animal morto por picadas de animais peçonhentos pode ser contaminada. Mas de quem será a responsabilidade? Da Frigo Rios, pois em tese somos nós que entregamos a carne. O proprietário não quer perder o animal e vende para o dono do açougue por um preço menor”.
Para o empresário, a média de consumo de bois seriam em torno de 26 a 28 animais diários, mas saem do frigorífico cerca de 11 a 15 bois por dia. Ou seja, tem gente vendendo carne sem ser entregue pela empresa. “Tem açougue que não entregamos carne porque estava com débito na gestão passada, mas fomos fazer visitas nesses locais e tinha carne. De onde veio? ”, questiona Ivan. “Outra situação é que alguns açougueiros usam a nota fiscal do frigorífico para dizer que carne clandestina tem origem legal”, conta.
Ivan também fala dos objetivos e planos da empresa na cidade. “Conversamos com os produtores, queremos valorizar sua produção bovina, pagando um preço justo pela carne e entregando um produto de qualidade ao consumidor. Com isso, vamos gerar mais renda no município, para quem cria, bem como para quem vende produtos para o criador. Também vamos gerar emprego, pois, se não tivesse tanto abate clandestino já teríamos contratados mais seis pessoas. Além disso, quando passar à pandemia queremos trazer profissionais especializados em assar churrasco e gêneros alimentícios derivados de carne para ensinar quem trabalha com restaurante, churrascarias e donos de bancas na beira da rua”, conta.
O empresário propõe um debate envolvendo as autoridades e a sociedade para tratar do tema do abate clandestino.
Secretário de saúde
Nossa reportagem também ouviu o secretário de saúde de Tarauacá, Dey Martins. Perguntamos se ele tinha conhecimento sobre o assunto. Disse que quem poderia nos informar, seria o fiscal ouvido pela reportagem. Mas que está aberto para dialogar e combater a situação.
Câmara de vereadores
A vereadora Janaina Furtado (Progressistas) também foi ouvida pela reportagem. Questionado se sabia da existência do abate clandestino e quais medidas o parlamento poderia tomar. “Tenho conhecimento dessa solicitação e solicitamos uma fiscalização mais rígida da Vigilância Sanitária. Outra situação é furto de gado. Os ladrões matam o boi e revende nos açougues, alguns donos até registram BO, mas outros não, pois temem represália”, afirma a vereadora.
Autoridade policial
O delegado Valdinei Soares afirma que a autoridade policial tem conhecimento do abate clandestino, mas não existe uma denúncia formalizada na delegacia. “Denúncia especificamente não tem na delegacia. O que se sabemos, é que realmente existe esses abates clandestinos e que temos a suspeita que açougues estariam vendendo essas carnes. Até tínhamos programado uma operação com a vigilância sanitária, antes da covid-19, para fiscalizar os açougues, mas devido à pandemia tivemos que suspender. Ainda não temos nada de concreto, mas vamos investigar o caso”, afirma o delegado.
Ministério Público
A equipe do Portal Tarauacá também ouviu a Promotora de Justiça, Dra. Manuela Canuto de Santana Farhat, por meio de uma entrevista via e-mail. Ao portal, a chefe a representante do MPE no município afirmou que existe um procedimento de investigação contra essa situação, cuja denúncia do furto de animais.
Portal Tarauacá: Excelência, existe alguma denúncia no MPE em Tarauacá a respeito da carne que é vendida nos açougues locais ser de origem clandestina?
Promotora: Tramita na Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Tarauacá Procedimento Administrativo instaurado a partir da notícia da realização de abatimento de gado, oriundo de furto, e comercialização da carne em açougues clandestinos no município. No bojo desse procedimento, expediu-se recomendação, datada de 28 de junho de 2018, à Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento e à Vigilância Sanitária para promoverem: i) a fiscalização imediata e permanente de todos os estabelecimentos que participam da cadeia do abate de bovinos, desde a origem até sua comercialização; ii) apreensão de carne irregular/clandestina, dentre outras medidas. Especificamente em relação à Vigilância Sanitária, orientou-se i) a realização de fiscalização regular dos pontos de venda de comercialização de carne; ii) criação de um canal de comunicação com a população para o recebimento de denúncias sobre a existência de abatedouros clandestinos, dentre outros.
Portal Tarauacá: A vigilância sanitária do município entregou os laudos sobre as condições de funcionamento dos açougues e origem da carne que é vendida nestes estabelecimentos, na promotoria, como solicitado por V. Exª?
Promotora: Após a expedição da Recomendação, a Vigilância Sanitária encaminhou à unidade ministerial de Tarauacá diversos relatórios de fiscalização realizadas nos açougues do município, concluindo pela regularidade dos estabelecimentos. Contudo, na visão deste órgão de execução, é necessário aprofundar as medidas de investigação para verificação da problemática, razão pela qual se instaurou Inquérito Civil, no qual determinou-se a expedição de ofícios à Secretaria Municipal de Saúde, Vigilância Sanitária e Delegacia de Polícia Civil para coleta de informações.
Portal Tarauacá: Caso seja verdade que a carne é de origem clandestina, quais medidas a promotoria estará tomando?
Promotora: Para uma melhor apuração da origem da carne comercializada no município, instaurou-se o sobredito Inquérito Civil, a partir do procedimento administrativo prévio existente, a partir do qual serão colhidos elementos de informação que, a depender do que será apurado, possivelmente subsidiarão o ajuizamento de ação civil pública para coibir a prática de abatimento de carne bovina de maneira irregular em Tarauacá.
IDAF
O veterinário Júnior, que responde pelo órgão em Tarauacá, também foi ouvido pela reportagem. Questionado a respeito do tema, e se existe denúncia relacionado ao abate ilegal de carne no IDAF (Instituto de Defesa Agropecuária do Acre) do município, Júnior limitou-se a dizer que o “tema não compete ao IDAF e sim a Vigilância Sanitária. Pois o órgão trabalhava com o transporte de animais vivo e animais abatido no frigorífico inspecionado”.
Portal Tarauacá