“Virou moda chamar de comunista. Falar de democracia virou comunismo”


Transferido à Amazônia após oito anos na cúpula da CNBB, Dom Leonardo Steiner promete não se omitir diante do governo.

“Estamos tentando governar o País na base de notícias falsas, da agressividade, da violência. Isso não constrói um Brasil. (…).” A afirmação não foi ouvida em nenhum plenário ou palanque, mas do altar. Mais precisamente, na missa que consagrou Dom Leonardo Steiner, ex-secretário-geral da CNBB, o novo arcebispo de Manaus. Depois de oito anos ocupando o cargo de mais destaque da conferência, o catarinense promete manter neste novo capítulo o tom combativo que marcou sua trajetória até aqui.

Sua chegada é vista como um contraponto à apatia que tomou conta da CNBB desde as últimas eleições, em maio. Embora a temida guinada à direita não tenha se concretizado, a conferência tem moderado o tom crítico ao governo. Prevaleceu nos bastidores a tese de que uma reação aguda daria ao bolsonarismo um ‘inimigo ideal’. (Leia a reportagem completa de CartaCapital aqui).

De formação franciscana, Steiner é discípulo de Dom Pedro Casaldáliga, o ‘bispo do povo’. Também mantém proximidade de dom Claudio Hummes, o cardeal brasileiro que mais influencia o papa Francisco. Fora da cúpula da CNBB, pediu à Santa Sé transferência para a Amazônia — é o quarto franciscano que, desde o Sínodo, assumiu dioceses naquela região.

O bispo defende uma aproximação dos católicos com a política. “Nesse momento, precisamos de pessoas lúcidas“. Sobre a pecha de ‘comunista’ que muitas vezes recai sobre a CNBB, retruca: “A CNBB teve e tem um papel fundamental na sociedade brasileira, apesar do desejo de que ela se cale. A grande maioria não leu Marx.”

Em entrevista a CartaCapital, ele fala sobre o novo ofício e as similitudes entre política e religião.

CartaCapital: Há quem diga que a CNBB, o senhor e o próprio Papa são comunistas. Como reage a essas acusações?

Dom Leonardo Steiner: Dom Helder dizia: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista.” Hoje virou moda agredir as pessoas com comunismo, chamar de comunista. Falar de democracia virou comunismo. Se fala tanto em ideologia e não se percebe que se fala a partir de uma ideologia. A ideologia que não consegue dialogar com outra torna-se devagar, uma espécie de ditadura do pensar e conviver.

Estive por oito anos a serviço da CNBB e encontrei muitas pessoas a serviço dos pobres, discutem democracia e justiça, solidariedade e fraternidade. A CNBB teve e tem um papel fundamental na sociedade brasileira, apesar do desejo de que ela se cale. A grande maioria não leu Marx. É melhor tentar viver o Evangelho, a vida de Jesus, que perder tempo com essas afirmações.

Seguiremos as orientações do Evangelho e do Papa Francisco: abraçar a carne de Cristo, os que sofrem. Não podemos, como Igreja, nos omitir.

CC:Em tempos de aumento da violência e do desmatamento, o que podemos esperar de sua direção?

DLS:O desmatamento já é fruto da disputa por terra. Além da madeira, temos agora de maneira aguda a disputa pelo subsolo, especialmente das áreas indígenas. Nós seguiremos as orientações do Evangelho e do Papa Francisco: abraçar a carne de Cristo. Isto é, os que sofrem. Sofrem os pobres, especialmente os povos originários. E sofre e geme a natureza. Não podemos, como Igreja, nos ausentar e nos omitir. Com a ajuda das nossas lideranças e das comunidades, vamos ajudar na edificação da Casa Comum na nossa Amazônia. 

A CNBB teve e tem um papel fundamental na sociedade brasileira, apesar do desejo de que ela se cale.

CC: Teme que sua posição motive represálias por parte do governo?

DLS: O Executivo foi eleito para dirigir o país. Da parte da sociedade é necessária a crítica, as observações para que os pobres não sejam esquecidos. Por exemplo, não se vendem as estatais desfazendo-se dos bens do Estado.

As Estatais são fundamentalmente para a implementação de política públicas, que são dever do Estado. Elas não visam o lucro; visam o povo brasileiro. O que se propaga é que elas não dão lucro. Essa não é vocação a razão de existir das estatais.

A democracia pede que se escute. A represália vem quando não se suporta a escuta, pois não se suporta a diferença. Sempre fomos pelo diálogo.

Precisamos de pessoas lúcidas para o bem do país. Os bispos devem despertar os leigos para essa atuação.

REPRESENTANTES DE GRUPOS ÉTNICOS DA AMAZÔNIA PARTICIPAM DE PROCISSÃO COM O PAPA FRANCISCO NO VATICANO (FOTO: ANDREAS SOLARO / AFP)
CC: O senhor afirmou em um evento considerar ‘importante’ a participação dos católicos na política. Em que sentido?

DLS: A participação dos leigos na política é uma vocação que precisa ser cultivada. A política é essencial para uma sociedade. A política é mais que partidos políticos. Ela se expressa também nos partidos políticos. Hannah Arendt dizia, mais ou menos, o seguinte: a política é sair do familiar para o comum, isto é, para o social.

A política é obra da construção e renovação da sociedade. Nesse sentido, São Paulo VI afirmou que a “Política é a suprema forma de caridade” retomando uma expressão de Pio XI. Papa Francisco utilizou a expressão mais vezes. Caridade, porque a política é ação de transformação das estruturas, a fim que a vida na sua totalidade seja vivida na justiça e com dignidade.

O cristão, as pessoas católicas têm o que oferecer para essas transformações estruturais. São chamados a dar sua caridade para o bem do Brasil. E nesse momento político precisamos de pessoas lúcidas para o bem do país. Os bispos devem despertar os leigos para essa atuação, para essa vocação. Não é pouco a CNBB ter um curso de Fé e Política.

Preocupa o comércio que se tem feito com a pessoa de Jesus com sua mensagem. É quase uma agressão à dignidade humana

CC: Estatísticas apontam que, em 2022, os católicos serão, pela primeira vez, menos de 50% da população. É importante reverter esse quadro?

DLS: Não sei da metodologia dessas pesquisas. Normalmente são feitas como as pesquisas nos tempos de eleição. Sabemos que nem sempre esses dados condizem com a realidade. Ouvir 3.000 pessoas e afirmar a porcentagem diante de 200 milhões?

No entanto, mais que “reverter esse quadro” é importante pesquisar e refletir o movimento das pessoas em busca de uma relação com a transcendência. Nesse movimento, detectar as manifestações do tempo da ciência e da técnica, tão próprias, que à primeira vista podem levar à descrença. A Igreja não vive de números, vive de pessoas que vivem o Evangelho e servem os pobres.

Pessoalmente, o que me preocupa é o número sempre maior de pessoas que afirmam não ter religião. Mas também preocupa o comércio que se tem feito com a pessoa de Jesus Cristo e de sua mensagem. É quase uma agressão à dignidade da pessoa humana. Mas vivemos um tempo precioso para a experiência da fé. Como bispos, descobrimos o que se esconde no tempo, mas que mantém o tempo e o espaço do viver e conviver humano. 

CC: Quais as expectativas para a carta pós-sinodal do Papa?

DLS: A expectativa é grande para a Igreja que está na Pan-Amazônia. O Papa nos indicará caminhos para uma presença inteligente e exigente na região. A grande diversidade da realidade urbana e a realidade ribeirinha já nos diz do esforço que vem sendo feito e que nos espera. Levaremos a Exortação às nossas comunidades para que despertem sempre mais para o cuidado e cultivo da terra sem destruí-la, sem entrar na dinâmica e na ótica do mercado.

Como sabemos o Santo Padre tem um apreço pela Amazônia. Sou testemunha desse cuidado, pois em todas as visitas da Presidência da CNBB, ele perguntava pela Amazônia. E nós seguiremos as suas orientações as eclesiais, as orientações para a Casa Comum, as orientações para a nossa relação com os povos originários. A Exortação será riqueza e apoio para a Igreja que está na Amazônia.

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fonte: Carta Capital

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