Artigo: O texto de Clarine Oliveira Saboia trata sobre "Acidentes Ofídicos em Tarauacá". Uma Pesquisa inédita acerca do assunto feito em nosso município. Um assunto bastante amplo e importante que é bastante frequente em nossas regiões do Acre.
Destaque: Em revista internacional, a publicação do artigo pelo “Journal of Human Growth and Development” depende principalmente de sua validade científica e coerência, conforme julgado por editores especialistas externos e/ou revisores, que também avaliaram se a escrita é compreensível e se o trabalho representa uma contribuição útil para o campo em destaque.
"Fiquei muito feliz em ver o meu artigo publicado na Revista 'Journal of Human Growth and Development'. É o reconhecimento de um trabalho inédito e bem feito. Inclusive, o primeiro realizado no município de Tarauacá", relatou. Clarine que formou-se em enfermagem recentemente e estuda o tema desde o seu Trabalho de Conclusão de Curso. "Espero que esta pesquisa sirva para se trabalhar o assunto no Acre e que nossas autoridades olhem de forma devida sobre o tema em questão”, completa.
A Enfermeira recém formada também destaca o incentivo que teve dos professores durante a graduação, um estímulo a continuar escrevendo.
O trabalho foi feito no Laboratório de Herpetologia, Centro Multidisciplinar, Campus Floresta, Universidade Federal do Acre, Cruzeiro do Sul, AC, Brasil.
"Agradeço ao meu orientador do meu TCC Paulo Sérgio Bernarde, o professor orientador da minha monografia e, consequentemente, desse artigo. Agora estamos colhendo os frutos dessa pesquisa importante que servirá de alicerce para futuros trabalhos na área”. concluiu Clarine.
Acidentes ofídicos no Município de Tarauacá, Acre, Oeste da Amazônia brasileira
Snakebites in the Municipality of Tarauacá, Acre, West of the Brazilian Amazon
Clarine de Oliveira Saboia
Paulo Sérgio Bernarde
Laboratório de Herpetologia, Centro Multidisciplinar, Campus Floresta, Universidade Federal do Acre, Cruzeiro do Sul, AC, Brasil.
Resumo
Introdução: Os acidentes ofídicos constituem um problema de saúde pública, sendo considerada uma emergência clínica comum em vários países tropicais, principalmente em regiões de zona rural e florestadas, onde esses animais são mais frequentes. É estimado ocorrerem aproximadamente 28.800 casos anuais de acidentes ofídicos no Brasil, com uma média de 119 óbitos, no qual a região Norte apresenta a maior incidência. Todavia, a precisão desses dados acaba sendo questionada, pois devem ocorrer muitas subnotificações e mesmo não notificações por questões logísticas e geográficas ou decorrentes ao despreparo quanto à identificação precisa do agravo.
Objetivo: Descrever características epidemiológicas dos casos notificados de vítimas de acidentes ofídicos no município de Tarauacá (Acre), comparando o coeficiente de morbidade com outras regiões amazônicas e observar possíveis fatores associados ao surgimento de complicações dos casos.
Método:Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo através da análise das informações clínico- epidemiológicas das fichas de notificação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação de vítimas de acidentes ofídicos ocorridos durante o período de 2012 a 2016 em Tarauacá.
Resultados: Foram registrados 96 casos durante o período de estudo, sendo a maioria (95,8%) classificada como botrópico, seguido de laquéticos (3,2%) e um por serpente não peçonhenta (1%). Nenhum óbito foi registrado. Os acidentes foram mais frequentes na área rural (87,5%), sendo um acidente ocupacional, acometendo principalmente indivíduos adultos do sexo masculino em seus membros inferiores. A maioria ocorreu durante a estação chuvosa e teve correlação positiva com a pluviosidade.
Conclusão: O coeficiente de morbidade registrado em 2016 (72,5 casos por 100.000 habitantes) foi maior do que o registrado em Cruzeiro do Sul e Rio Branco e também para os estados do Acre e Amazonas. Apesar da maioria dos pacientes receber a soroterapia dentro das primeiras seis horas, muitos recebem o devido atendimento hospitalar após 24 horas decorrido o envenenamento, sendo um fator associado ao surgimento de complicações.
Palavras-chave: ofidismo, serpentes, envenenamentos, animais peçonhentos, epidemiologia.
Por que este estudo foi feito? Essa pesquisa foi realizada para se ter uma ideia geral da problemática dos acidentes ofídicos em Tarauacá, um município localizado no interior do Acre na Amazônia.
O que os pesquisadores fizeram e encontraram? Foi realizado um estudo retrospectivo a partir de fichas do SINAN do hospital do município e a partir disso foi descrito as variáveis epidemiológicas do ofidismo para essa região.
O que estes achados significam? Os acidentes ofídicos em Tarauacá apresentam um coeficiente de morbidade maior do que outras pesquisas realizadas no estado em Rio Branco e em Cruzeiro do Sul e a demora na soroterapia é um importante fator para surgimento de complicações.
INTRODUÇÃO MÉTODO
Os acidentes ofídicos constituem um problema de Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo saúde pública, sendo considerada uma emergência clínica através da análise das fichas de notificação do Sistema comum em vários países tropicais, principalmente em de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) de regiões de zona rural e florestadas, onde esses animais são vítimas de acidentes ofídicos atendidas durante o período mais frequentes1. De acordo com Silva et al.2, estima-se de 2012 a 2016 no Hospital Dr. Sansão Gomes, localizado que ocorram cerca de 29.000 casos anuais de acidentes no município de Tarauacá, Acre (Figura 1). ofídicos no Brasil, com uma média de 125 óbitos, no qual a região Norte apresenta a maior incidência. Todavia, a precisão desses dados acaba sendo questionada, pois devem ocorrer muitas subnotificações e mesmo não notificações por questões logísticas e geográficas ou decorrentes ao despreparo quanto a identificação precisa do agravo..
No Brasil, das espécies de serpentes registradas, aproximadamente, 17% pertencem ao grupo das peçonhentas, sendo estas caracterizadas pela presença de dentes inoculadores de veneno na porção anterior das maxilas superiores2. As serpentes de importância médica são classificadas em quatro grupos: botrópico (Bothrops e Bothrocophias), laquético (Lachesis), crotálico (Crotalus) e clapídicos (Micrurus e Leptomicrurus). Destas, estão presentes no estado do Acre os gêneros Bothrops, Bothrocophias, Lachesis, Leptomicrurus e Micrurus5, estando ausente o acidente crotálico.
Na região do Alto Juruá, encontraram uma alta prevalência de vítimas de acidentes ofídicos em populações indígenas e de ribeirinhos, sendo que alguns tinham sido picados mais de uma vez na vida. Nessa mesma região, Bernarde & Gomes7 realizaram um estudo retrospectivo dos casos atendidos no Hospital Regional do Juruá em Cruzeiro do Sul, associando os casos com os meses de maior pluviosidade. Moreno et al.8 estudaram os aspectos epidemiológicos do ofismo na região de Rio Branco e assim como Bernarde & Gomes, também relataram despreparo de profissionais da Saúde na diagnose da serpente causadora e na quantidade de ampolas de soro a ser administrada. Esses autores relacionaram a ocorrência dos acidentes ofídicos com a pluviosidade e as atividades humanas laborais, sendo o perfil epidemiológico das vítimas constituído principalmente por indivíduos adultos do sexo masculino picados na maioria das vezes nos membros inferiores.
O município de Tarauacá, assim como vários municípios acreanos, apresentam extensas áreas de florestas (terras indígenas, reservas extrativistas) e muitas comunidades (ribeirinhos, indígenas, agricultores) vivem e trabalham em áreas florestadas e rurais, também utilizando estes ambientes para lazer.. Devido a estas características, o encontro com serpentes na natureza é relativamente frequente e muitas vezes resultando em envenenamentos. O presente trabalho tem como objetivo descrever as características epidemiológicas dos casos notificados de vítimas de acidentes ofídicos no município de Tarauacá (Acre), Amazônia Ocidental, comparando o coeficiente de morbidade com outras regiões amazônicas e observar possíveis fatores associados ao surgimento de complicações dos casos.
O município de Tarauacá está localizado no noroeste do estado do Acre, na mesorregião do Vale do Juruá, estando distante aproximadamente 400 km da capital do estado, Rio Branco11. Possui uma população aproximada de 40.024 habitantes, área territorial de 20.171,053 km2, sendo o terceiro município de maior extensão do estado do Acre. O clima da região é tropical, quente, úmido, com temperatura média anual de 24o C12, sendo o período entre os meses de novembro a abril os mais chuvosos.
Foram coletados dados dos acidentes ofídicos ocorridos no município durante o período de 2012 a 2016 presentes nas fichas do SINAN referentes a idade, sexo, circunstâncias do acidente, área do acidente, mês de ocorrência, região anatômica atingida, tipo de acidente, sintomas e complicações apresentadas pelo paciente, gravidade, tempo entre o acidente e o atendimento e evolução dos casos (cura ou óbito). O coeficiente de morbidade (casos/100.000 habitantes) foi calculado dividindo o número de pessoas que sofreram acidentes com serpentes durante o ano de 2016 pelo número de habitantes do município durante o mesmo ano11. Os dados de pluviosidade do município foram obtidos no site do Instituto Nacional de Meteorologia13. Para verificar uma possível relação entre o número de acidentes ofídicos mensais com pluviosidade, utilizou-se o teste de correlação de Spearman.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas do Acre – HCA/ FUNDHACRE em 06/10/2017 (Parecer no 2.318.959).
RESULTADOS
Durante o período de 2012 a 2016 foram registrados 96 casos de acidentes ofídicos em Tarauacá (Tabela 1), sendo a maioria (95,8%) classificada como botrópico, seguido de laquéticos (3,2%) e um por serpente não peçonhenta (1%) (Figura 2). No ano de 2016 foi registrado o maior número de acidentes (29 casos), perfazendo um Journal Snakebites in the Municipality of Tarauacá, Acre, West of the Brazilian Amazon of Human Growth and Development 2019 29(1): 117-124 Tabela 1: Características clínicas e epidemiológicas dos casos de acidentes ofídicos ocorridos em Tarauacá (AC) durante o período de 2012 e 2016. Entre parênteses a quantidade de casos em que a informação está disponível do total de 96 (100%).
CARACTERÍSTICAS Number % TIPO DE ACIDENTE (n = 96; 100%) Botrópico 92 95,8% Laquético 03 3,2% Não peçonhenta 01 1% ESTAÇÃO (n = 96; 100%) Chuvosa (Novembro a Abril) 58 60,4% Seca (Maio a Outubro) 38 39,6% SEXO (n = 96; 100%) M 81 84,4% F 15 15,6% ÁREA DE OCORRÊNCIA (n = 96; 100%) Rural 84 87,5% Urbana 12 12,5% FAIXA ETÁRIA (n = 96; 100%)
0 a 10 10 10,4% 11 a 20 23 24% 21 a 30 25 26% 31 a 40 18 18,7% 41 a 50 12 12,5% 51 a 60 07 7,4% > 60 01 1% ACIDENTE OCUPACIONAL (n = 96; 100%) Sim 62 64,6% Não 34 35,4% TEMPO ATÉ O ATENDIMENTO HOSPITALAR (n = 94; 98%) 0 a 1 hora 14 15% 1 a 3 horas 25 26,6% 3 a 6 horas 16 17% 6 a 12 horas 7 7,4% 12 a 24 horas 7 7,4% > 24 horas 25 26,6% REGIÃO ANATÔMICA DA PICADA (n = 96; 100%) Pé 46 47,9% Perna 24 25% Coxa 03 3,1% Mão 15 15,6% Braço 03 3,1% Antebraço 03 3,1% Cabeça 02 2,1% CLASSIFICAÇÃO DO ACIDENTE (n = 88; 91,6%) Leve 31 35,2% Moderado 39 44,3% Grave 18 20,5% MANIFESTAÇÕES E COMPLICAÇÕES LOCAIS (n = 94; 97,9%)
Continuação - Tabela 1: Características clínicas e epidemiológicas dos casos de acidentes ofídicos ocorridos em Tarauacá (AC) durante o período de 2012 e 2016. Entre parênteses a quantidade de casos em que a informação está disponível do total de 96 (100%).
Caracteristicas Numero de casos %
Sim 90 95,7% Não 04 4,3% Dor 87 92,5% Edema 86 91,5% Equimose 14 14,9% Necrose 08 8,5% Infecção secundária 20 21,3% Síndrome compartimental 02 2% MANIFESTAÇÕES E COMPLICAÇÕES SISTÊMICAS (N = 90; 95,7%) Sim 7 7,8% Não 83 92,2% Hemorrágicas 15 16,7% TC alterado 50 55,5% Choque 04 4,4% IRA 02 2,2% Septicemia 01 1,1%
coeficiente de morbidade de 72,5 casos por 100.000 habitantes, seguido pelos anos 2015 (26 casos), 2014 (18 casos), 2013 e 2012 ambos com 11 casos. Durante o período de estudo não foi registrado nenhum óbito. Os
acidentes foram mais frequentes na área rural (87,5%) e a maioria ocorreu durante a estação chuvosa (60,4%) e teve correlação positiva com a pluviosidade (r = 0,3034; P < 0,05; n = 60) (Tabela 1; Figura 3).
Figura 2: Algumas serpentes peçonhentas da região: A) Jararaca (Bothrops atrox); B) Papagaia (B. bilineatus); C) Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta). Fotos: P. S. Bernarde (Arquivo pessoal).
Figura 3. Relação mensal dos acidentes ofídicos (Linha) com a pluviosidade (Colunas) em Tarauacá (AC) durante janeiro de 2012 a dezembro de 2016.
Os casos de envenenamento ofídico ocorreram principalmente em indivíduos do sexo masculino (84,4%), nas faixas etárias entre 11 a 30 anos (50%) e a maioria dos acidentes foi considerado ocupacional (64,6%) (Tabela 1). Grande parte das vítimas (58,6%) foi atendida no hospital dentro das primeiras seis horas após o acidente, mas mesmo assim, um número significativo (26,6%) teve atendimento tardio após 24 horas (Tabela 1). A maioria dos casos foi classificada como moderado (44,3%), seguido de leve (35,2%) e grave (20,5%) (Tabela 1).
Os membros inferiores, pés (47,9%) e pernas (25%), foram os mais atingidos durante a picada (Tabela 1). Manifestações e complicações locais estiveram presentes em 95,7% dos casos (Tabela 1), constituídas principalmente por dor (92,5%) e edema (91,5%), seguidas por infecção secundária (21,3%), equimose (14,9%), necrose (8,5%) e síndrome compartimental (2%). As manifestações e complicações sistêmicas foram alteração do tempo de coagulação sanguínea (55,5% dos casos), hemorragias (16,7%), choque (4,4%), IRA (2,2%) e septicemia (1,1%) (Tabela 1). Dos sete casos que apresentaram complicações sistêmicas (choque, IRA e septicemia), quatro (57%) demoraram mais de 24 horas para receberem a soroterapia, e os outros três (16%) foram atendidos em menos de 24 horas.
DISCUSSÃO
Durante o período de estudo foi registrada uma média anual de aproximadamente 19 acidentes ofídicos no município de Tarauacá, valor inferior ao observado em Rio Branco (89 casos) por Moreno et al.8 e em Cruzeiro do Sul (97,5) por Bernarde & Gomes7, o que pode ser explicado pelo maior número de habitantes nesses dois municípios. O coeficiente de morbidade por ofidismo em Tarauacá em 2016 (72,5 casos por 100.000 habitantes) foi maior do que em Rio Branco (35,10) e em Cruzeiro do Sul (67,01) e, também para os estados do Acre (61,10)15 e Amazonas (52,8)16. Coeficientes maiores que ultrapassam 150 casos por 100.000 habitantes foram observados em alguns municípios do Amazonas16, revelando ser uma das regiões de maior incidência de acidentes ofídicos do Planeta. É preciso considerar ainda que, o coeficiente de morbidade observado para Tarauacá pode estar subestimado, uma vez que muitas vítimas de acidentes ofídicos não recorrem ao atendimento hospitalar e, algumas destas que são acidentadas na BR 364 próximas ao Rio Liberdade (Divisa entre os municípios de Tarauacá e Cruzeiro do Sul), se deslocam para o Hospital Regional do Juruá em Cruzeiro do Sul, por ser mais próximo.
Os tipos de acidentes registrados em Tarauacá, composto pela maioria botrópico (95,8%), seguida de laquético (3,2%), esteve próximo do esperado na epidemiologia do ofidismo para o Acre5, onde o envenenamento botrópico é o mais frequente, o laquético pouco frequente e o elapídico raro. Em Rio Branco, Moreno et al.8, registraram a maioria dos acidentes como botrópico (75,7% dos casos), seguido de laquético (2,1%) e elapídico (0,7%), sendo que em 21,5% dos casos, não foram observados sinais ou sintomas de envenenamento.
O envenenamento botrópico no Acre é causado principalmente pela serpente Bothrops atrox5,7,8 e, em segundo lugar, pela Bothrops bilineatus. Bothrops atrox tem o nome popular de jararaca e de surucucu, sendo a espécie de serpente peçonhenta mais comum na Amazônia, estando presente inclusive em áreas antropizadas (capoeiras, roçados, pastagens, áreas urbanas) e também associada a ambientes aquáticos (rios, igarapés, igapós)17,18.
A papagaia (Bothrops bilineatus), apesar de ser considerada relativamente rara em várias regiões ao longo de sua distribuição geográfica, é uma serpente peçonhenta também abundante em algumas florestas no Acre, contribuindo também para os acidentes botrópicos. Apesar de bem menos frequente, o acidente laquético é o segundo mais causado e a espécie responsável é conhecida popularmente como surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta)5. Trata-se da maior serpente peçonhenta da América do Sul, podendo ultrapassar três metros de comprimento, ocorrendo em baixa densidade em áreas florestadas e apresenta comportamento relativamente menos agressivo do que as Bothrops, o que explica a pouca frequência de envenenamentos causados por essa espécie.
A raridade de casos de mordidas por corais- verdadeiras, provavelmente se deva pelos poucos encontros dessas serpentes na natureza, o menor tamanho de abertura de sua boca e de seus hábitos secretivos. Os acidentes elapídicos ocorrem geralmente durante o manuseio pela vítima, muitas vezes essas sendo crianças ou pessoas sob efeito de álcool.
Os acidentes ofídicos em Tarauacá estiveram associados com os meses de maior pluviosidade, assim como observado em outros estudos7,16, o que provavelmente deve estar relacionado com maior atividade das serpentes durante os meses mais chuvosos na Amazônia17,18 e também pelo fato de maior contato entre seres humanos e serpentes durante as cheias8,10. Essa maior atividade das serpentes durante o período chuvoso está associada com a maior abundância de suas presas (anfíbios anuros e lagartos), época em que seus filhotes nascem20. Determinadas atividades humanas durante os meses de maior pluviosidade durante as cheias dos rios, como o extrativismo, promove um maior encontro entre serpentes e pessoas nas áreas de terra firme.
As vítimas de acidentes ofídicos nesse estudo correspondeu epidemiologicamente ao perfil observado para a Amazônia brasileira7,8,16, caracterizado por predominância de indivíduos do sexo masculino e adultos, acometidos na área rural e de caráter ocupacional. Em relação à região anatômica picada, houve predominância nos membros inferiores (76%), o que está dentro do que foi usualmente registrado em outros estudos na Amazônia (68 % a 86% das picadas nos membros inferiores).
Aqui é ressaltado que a falta de medidas preventivas que correspondem ao uso adequado de calçados e, em especial de botas e perneiras durante os trabalhos nos roçados e florestas, contribuem para a ocorrência de acidentes ofídicos8,10. Aproximadamente um quarto (24%) da região anatômica picada correspondeu aos membros superiores, tronco e cabeça, o que muitas vezes deve estar associado com a atividade sobre a vegetação da serpente Bothrops bilineatus e dos juvenis de Bothrops atrox, espécies que apresentam hábitos arborícolas.
Os acidentes em sua maioria foram considerados moderado (44,3%) e leve (35,2%), sendo 20,5% classificados como grave. Dor e edema foram as principais manifestações locais observadas, sendo o mais frequentemente observado em envenenamentos botrópicos e laquéticos8,16,22-24. A porcentagem de equimose observada nesse estudo (14,9%) foi próxima ao observada (17,5%) por Pardal et al.23 em Belém (PA) e menor do que o registrado (31,4%) em Pastaza (Equador) por Smalligan et al. Necrose evoluiu em 8,5% dos pacientes de acidentes ofídicos em Tarauacá, número inferior ao registrado (12,8%) em Antioquia e Chocó (Colômbia) por Otero et al.22 e maior do que os casos registrados para o Amazonas (2%) por Feitosa et al.16 e para Belém (2,7%) por Pardal et al.23. O procedimento de fasciotomia foi realizado em 2% dos casos, sendo a porcentagem que usualmente é realizada em pacientes de envenenamento botrópico. Algumas diferenças nas proporções de manifestações dos envenenamentos em diferentes estudos podem ser explicadas pelas possíveis variações geográficas do veneno de Bothrops atrox26, além de diferenças na proporção de outras espécies de Bothrops causadoras dos acidentes nessas localidades22,24. Infecção secundária surgiu em 21,3% dos pacientes, sendo muitas vezes devido o fato dos dentes da serpente causar um ferimento perfurante na superfície cutânea da vítima, rompendo a barreira de defesa mecânica, favorecendo a ocorrência de infecções por bactérias provenientes da flora oral da serpente, e com menor frequência, da pele do paciente.
A alteração do tempo de coagulação sanguínea (tempo prolongado ou incoagulável) ocorreu em 55,5% dos pacientes em que o teste foi realizado, estando dentro da porcentagem observada (39 a 72%) em outros estudos realizados na Amazônia brasileira, que correspondem a valores inferiores aos registrados (84,6 a 95%) na Colômbia e no Equador, possivelmente, também devido a diferenças geográficas na composição bioquímica do veneno da principal espécie causadora (Bothrops atrox) e diferenças na proporção de outras espécies responsáveis pelos envenenamentos.
A maioria das vítimas (58,6%) foi atendida dentro das primeiras seis horas após o acidente, entretanto, um número significativo (26,6%) teve atendimento tardio após 24 horas decorrido o envenenamento. A demora da soroterapia é um dos fatores responsáveis pelo surgimento de complicações e óbitos por acidentes ofídicos e ainda é uma das maiores problemáticas desse tema na Amazônia16. Dos sete casos que apresentaram complicações sistêmicas, quatro (57%) demoraram mais de 24 horas para receberem a soroterapia, denotando como a demora da soroterapia é um fator prognóstico que pode agravar o estado do paciente. A Amazônia é caracterizada por apresentar as maiores incidências de acidentes ofídicos no Brasil e também por certo despreparo nos profissionais da Saúde em lidar com o ofidismo. Nisso, destaca-se a importância da formação do profissional de saúde na perspectiva de promoção da saúde, com a inserção precoce do acadêmico na prática, com a construção de uma visão crítica e reflexiva da saúde e também de ações educativas com a população para prevenção e primeiros socorros em caso de envenenamentos ofídicos.
O coeficiente de morbidade registrado em 2016 (72,5 casos por 100.000 habitantes) foi maior do que o registrado em Cruzeiro do Sul e Rio Branco e também para os estados do Acre e Amazonas. Apesar da maioria dos pacientes receber a soroterapia dentro das primeiras seis horas, muitos recebem o devido atendimento hospitalar após 24 horas decorrido o envenenamento, sendo um fator associado ao surgimento de complicações.
A maioria dos acidentes ofídicos é botrópico e em menor frequência o laquético, ocorrendo durante a estação chuvosa e na área rural, sendo um acidente ocupacional, acometendo principalmente indivíduos adultos do sexo masculino em seus membros inferiores (pés e pernas). Apesar da maioria dos pacientes receber a soroterapia dentro das primeiras seis horas, muitos recebem o devido atendimento hospitalar após 24 horas decorrido o envenenamento, sendo um fator associado ao surgimento de complicações.
Os estudos retrospectivos baseados no acesso a informações em bancos de dados apresentam limitações por não ter como entrevistar o paciente ou o profissional de Saúde que atendeu o caso, especialmente quando possa existir alguma dúvida ou outra informação mais aprofundada é necessária. Entretanto, essas informações quando devidamente coligidas e anotadas nas fichas, é uma valiosa fonte de dados epidemiológicos que permite uma compreensão melhor sobre determinado agravo à Saúde. Contudo, a realização de estudos prospectivos que acompanhe os casos atendidos por acidentes ofídicos podem proporcionar uma maior riqueza de detalhes e confiabilidade.
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Abstract
Introduction: Snakebites are a public health problem and are considered a common clinical emergency in several tropical countries, especially in rural and forested regions where these animals are more frequent. It is estimated that approximately 28,800 cases of snakebites per year occur in Brazil, with an average of 119 deaths, in which the north region has the highest rate of incidence. However, the accuracy of these data ends up being brought into question, since there are undoubtedly many cases of under-reporting and even cases that are not reported at all, due to logistical and geographical reasons or due to a lack of preparation as to the precise identification of the problem.
Objective: This study aimed to describe the epidemiological characteristics of the reported cases of snakebites victims in the municipality of Tarauacá (Acre), comparing the morbidity coefficient with other Amazonian regions, and to observe possible factors associated with the appearance of complications in these cases.
Methods: This is a retrospective descriptive study through the analysis of the clinical-epidemiological information found on the notification sheets of the Information System of Notification Diseases of victims of snakebites that occurred during the period between 2012 and 2016 in Tarauacá.
Results: We recorded 96 snakebite cases during the study period, with the majority (95.8%) classified as botropic, followed by laquetics (3.2%) and one by a non-venomous snake (1%). No deaths were recorded. Snakebites were more frequent in rural areas (87.5%), most being an occupational accident, and affected mainly adult male individuals in their lower limbs. Most cases occurred during the rainy season and had a positive correlation with rainfall.
Conclusions: The morbidity coefficient registered in Tarauacá in 2016 (72.5 cases per 100,000 inhabitants) was higher than that recorded in the cities of Cruzeiro do Sul and Rio Branco and in the states of Acre and Amazonas. Although most patients receive antivenom within the first six hours, many victims do not receive appropriate hospital care until more than 24 hours after the envenoming, which is a factor associated with the appearance of complications.
Keywords: ophidism, snakes, envenomations, venomous animals, epidemiology.
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