Battista Mondin (1926-2015) - Filosofia é palavra de origem grega que significa literalmente “amigo da sabedoria” (philos sophias). Narra-se que o termo foi inventado por Pitágoras (670-496 a.C.), que certa vez, ouvindo alguém chamá-lo sábio e considerando este nome muito elevado para si mesmo, pediu que o chamassem simplesmente filósofo, isto é, amigo da sabedoria.
A filosofia é conhecimento, forma de saber que, como tal, tem esfera própria de competência, a respeito da qual procura adquirir informações válidas, precisas e ordenadas. Mas, enquanto é fácil dizer qual é a esfera de competência das várias ciências experimentais, o mesmo não se dá com a filosofia. Sabemos, por exemplo, que a botânica estuda as plantas, a geografia, os lugares, a história, os fatos, a medicina, as doenças etc. Quanto à filosofia, que coisa estuda? No dizer dos filósofos, estuda todas as coisas. Aristóteles (384-322 a.C.), que foi o primeiro a fazer pesquisa rigorosa e sistemática em torno desta disciplina, diz que a filosofia estuda “as causas últimas de todas as coisas”; Cícero (106-43 a.C.) define a filosofia como “o estudo das causas humanas e divinas das coisas”; Descartes (1596-1650) afirma que a filosofia “ensina a racionar bem”; Hegel (1770-1831) entende-a como o “saber absoluto”; para Whitehead (1861-1947), o papel da filosofia é o de “fornecer uma explicação orgânica do universo”. Poderíamos citar muitos outros filósofos que definem a filosofia ora como o estudo do valor do conhecimento, ora como a indagação do fim último do homem, ora como o estudo da linguagem, do ser, da história, da arte, da cultura, da política etc. Realmente, coerentes com essas diferentes definições, os filósofos estudaram todas as coisas. Devemos então concluir que a filosofia estuda tudo? Sim, e por duas razões.
Em primeiro lugar, porque todas as coisas podem ser examinadas no nível científico e também filosófico. Assim, os homens, os animais, as plantas, a matéria, estudados por muitas ciências e diversos pontos de vista, podem ser objeto também da indagação filosófica. De fato, os cientistas se perguntam de que é feita a matéria, que coisa é a vida, como são formados os animais e o homem, mas não consideram outros problemas que dizem respeito também ao homem, aos animais, às plantas, à matéria, como, por exemplo, o que é a existência. Especialmente a respeito do homem, que as ciências estudam sobre vários aspectos, muitos são os problemas que nenhuma delas estuda (supondo-os já resolvidos), como o do valor da vida e do conhecimento humano, o da natureza do mal, o da origem e do valor da lei moral. Destes problemas ocupa-se somente a filosofia.
Em segundo lugar, porque, enquanto as ciências estudam esta ou aquela dimensão da realidade, a filosofia estuda o todo, a totalidade, o universo tomado globalmente.
Eis, portanto, a primeira característica que distingue a filosofia de qualquer outra forma de saber: ela estuda toda a realidade ou, pelo menos, procura oferecer explicação completa e exaustiva de esfera particular da realidade.
Há, porém, duas outras qualidades que contribuem para dar caráter próprio e específico ao saber filosófico: trata-se do método e do objetivo.
O método não é o da simples verificação, nem o da descrição mais ou menos fantasiosa, nem o da experimentação. O primeiro é próprio do conhecimento comum; o segundo, da poesia e da mitologia; o terceiro, da ciência. A filosofia tem método diferente, o da justificação lógica, racional. Das coisas que estuda, a filosofia deseja oferecer a explicação conclusiva e, para consegui-la, se serve somente da razão, isto é, daquilo que os gregos chamaram logos.
Quanto ao objetivo, a filosofia não busca fins práticos e não tem interesses externos como a ciência, a arte, a religião e a técnica, as quais, de um modo ou de outro, sempre têm em vista alguma satisfação ou alguma vantagem. A filosofia tem como único objetivo o conhecimento; ela procura a verdade pela verdade, prescindindo de eventuais utilizações práticas. A filosofia tem finalidade puramente teorética, ou seja, contemplativa; não procura a verdade por algum motivo que não seja a própria verdade. Por isso, como diz egregiamente Aristóteles na Metafísica (A, 2, 982b), é “livre” enquanto não se destina a nenhum uso de ordem prática, realizando-se na pura contemplação da verdade.
Dissemos há pouco que todas as coisas podem ser objeto de indagação filosófica. Como decorrência disso, pode haver uma filosofia do homem, dos animais, do mundo, da vida, da matéria, dos deuses, da sociedade, da política, da religião, da arte, da ciência, da linguagem, do esporte, do riso, do jogo etc. Na verdade, porém, os que são chamados filósofos estudam de preferência somente alguns problemas, os que são designados com os nomes de lógica, epistemologia, metafísica, cosmologia, ética, psicologia, teodiceia, política, estética, os quais constituem as partes mais importantes da filosofia. A lógica se ocupa da exatidão do raciocínio; a epistemologia, do valor do conhecimento; a metafísica, do fundamento último das coisas em geral; a cosmologia, da constituição essencial das coisas materiais, de sua origem e de seu vir-a-ser; a ética, da origem e da natureza da lei moral, da virtude e da felicidade; a psicologia, da natureza humana e das suas faculdades; a teodiceia, do problema religioso ou da existência e da natureza de Deus e das relações dos homens com ele; a política, da origem e da estrutura do Estado; a estética, do problema do belo e da natureza e função da arte.
MONDIN, Battista. Curso de Filosofia: volume 1. Tradução Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1981. p.7-9 (BLOG ALMA ACREANA)