As crianças, as cores e os cânticos
No alto do Rio Gregório, existe um igarapé de onde ainda se pode tomar água, há casas de portas abertas, crianças correndo por todos os lados, uma samaúma gigante e linda, que a muitos serve de conexão espiritual, e um enorme sentimento de alegria, comunhão e reciprocidade.
O tempo naquele lugar não interfere nas rotinas diárias. A alimentação, mesmo simplificada, sacia os que têm fome, com a partilha fraterna, em desuso nos tempos modernos. Ali, desejar um bom dia, boa tarde e boa noite é levado a sério, como a verdade passada de pai para filho, olho no olho, uma regra cultural. O cuidado com a natureza rege toda a atmosfera dos cerca de 200 habitantes, que resistem com projetos e materializando sonhos exemplares para o mundo.
A Aldeia Mutum, ocupada pelo povo yawanawá (“povo da queixada”), celebrou, durante uma semana do mês de julho, o Festival Mariri, atualmente um dos principais eventos indígenas abertos ao público. Na sua quarta edição, o encontro, organizado pela Associação Sociocultural Yawanawá (ASCY) trouxe a importância da preservação do ecossistema, com exemplos da aldeia que podem influenciar no comportamento e conscientização ambiental das pessoas que participam do festival.
Na sua quarta edição, o encontro é organizado pela Associação Sociocultural Yawanawá (ASCY)
“Esse é um evento que resgata as nossas tradições e também busca, na sua totalidade, evidenciar a importância da natureza, com lições de vida em harmonia, preservando os nossos recursos naturais”, afirmou o líder da aldeia, Joaquim Tashka.
O Povo Queixada, como se denominam os yawanawás, além de receber os indígenas de outras aldeias que povoam as margens do Rio Gregório, também acolhem visitantes de várias partes do mundo. Os corpos coloridos pelos traços yawa, que simbolizam a expressão mística daquela cultura, abraçaram-se e dançaram com outros corpos ao redor de uma grande fogueira, ao som dos cânticos que evidenciam a força indígena dos povos da floresta. A grande festa se iniciou com o rito do fogo sagrado, simbolizando a ancestralidade e as tradições mantidas nos tempos atuais.
“A partir dos nossos cânticos, dos nossos rituais sagrados e pinturas, estamos buscando deixar pra nova geração yawa e para os nossos visitantes a importância dessa cultura que sempre viveu em harmonia com a natureza”, explicou o líder Nany Yawa.
Rituais e brincadeiras
O Festival Mariri Yawanawá é composto por vários ritos, cânticos e danças que buscam promover, entre os presentes, curas, paz espiritual e autoconhecimento, no formato das antigas gerações yawa. O uni, também conhecido como ayahuasca, e o rapé, feito com base em ervas e tabaco, são utilizados por grande parte dos membros da aldeia e dos visitantes que buscam a expansão da consciência durante os dias de festa. Várias brincadeiras envolvendo todos os participantes também são realizadas durante o festival.
O festival Mariri Yawanawá é composto por vários ritos, cânticos e danças
“Estamos trabalhando a fundo a nossa cultura. Quando brincamos com as nossas crianças e visitantes, estamos passando o que nos foi ensinado um dia pelos nossos ancestrais”, declarou Matsini Yawa, que é um dos responsáveis pelos ritos do festival.
Escola de tradições yawas
A Aldeia Mutum compõe um grupo de nove aldeias yawas existentes no município de Tarauacá, às margens do Rio Gregório. As lideranças responsáveis pelas aldeias iniciaram um trabalho educacional no intuito de promover o resgate da cultura e tradições. Como parte desse projeto, foi criada uma escola de tradições que ensina às novas gerações as pinturas, as brincadeiras, as danças e o idioma do povo.
“O festival é um bom momento para apresentarmos as nossas tradições não somente aos visitantes, mas também para as futuras gerações yawas. O trabalho é desenvolvido nas aldeias pelos próprios indígenas e busca manter viva toda a nossa diversidade cultural”, explicou a professora e líder Kenemeni Yawanawá.
Lideranças femininas
As lideranças femininas yawa estão servindo de exemplo para outras aldeias e até mesmo para organizações e instituições não indígenas. Grande parte do trabalho desenvolvido na aldeia é assumido pelas mulheres, que assim desempenham novos papeis dentro da hierarquia indígena Yawanawá. Elas se destacam no artesanato e nos desenhos corporais que remetem às mirações do uni.
“Estamos mudando e buscando somar com as nossas experiências. Antigamente as mulheres não podiam participar dos rituais e as nossas responsabilidades e afazeres eram mínimos. Agora estamos vivendo um novo momento e os homens da aldeia estão entendendo a nossa importância dentro do trabalho coletivo. Hoje, já temos a primeira cacique mulher e trabalho feminino, tanto a confecção de artesanato como os trabalhos espirituais estão ganhando força”, detalhou a líder Kenemeni Yawanawá.
Situação geográfica e população
Da família linguística Pano, o povo yawanawá conseguiu demarcar as suas terras no início da década de 1980, tornando-se o primeiro povo indígena a conseguir a titulação de suas terras no estado. A Terra Indígena do Rio Gregório é devidamente registrada em cartório, com uma extensão de 92.859 hectares: Mutum, Nova Esperança e Escondido são as principais aldeias da região.
Atualmente, o Povo Yawanawá possui uma população estimada de 700 pessoas. Desde de 1992, a Nova Esperança se constitui na principal aldeia yawanawá, em virtude do abandono do Seringal Kaxinawá, ocupado durante o Ciclo da Borracha.
Por meio da Organização dos Agricultores Extrativistas Yawanawá do Rio Gregório, (Oaeyrg), várias parcerias com órgãos governamentais e não governamentais foram estabelecidas, o que gerou vários benefícios na área da saúde, infraestrutura e educação.
Texto: George Naylor | Fotos: Sérgio Vale
Revisora: Onides Bonaccorsi | Webdesign: Adaildo Neto