Romisson defende uma “ nova política” cujos pilares básicos são o desenvolvimento econômico, a inclusão social, equidade e conservação ambiental/Foto: ContilNet |
É bem verdade que os gregos, que se fizeram notar no mundo (ou afloraram, como diziam seus mais ilustres pensadores) não sabiam de tudo. Algumas de suas teorias, à luz dos dias atuais ou dos fatos concretos, revelaram-se furadas. Mas, em política, apesar dos mais de 3.000 anos que nos separam de seus ensinamentos, eles eram mestres. Foram os primeiros humanos a falar em democracia, em felicidade e em política como uma ação de servir e fazer o bem às pessoas – e jamais ao contrário.
No pensamento grego, a política é a prática de promoção do bem à Polis, à cidade. A cidade era, para os gregos, um espaço seguro, ordenado e manso onde os homens podiam se dedicar à busca da felicidade. Daí o termo político para designar, mesmo nos dias atuais, aos que se dedicam à causa nobre de cuidar da cidade e de sua população, ensinava o saudoso escritor Rubem Alves.
É dele o conceito de cidades sustentáveis, que seriam aquelas que adotam uma série de práticas eficientes voltadas para a melhoria da qualidade de vida da população, conciliando desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Seriam locais bem planejados e eticamente administrados.
Localizada na parte mais ocidental do Brasil, Cruzeiro do Sul é a cidade-polo do Vale do Juruá, uma das regiões que concentram a maior biodiversidade do planeta, além das belezas naturais que o desbravador Craveiro Costa, no inicio do século passado, assombrado com as peculiaridades de uma região à primeira vista ainda selvagem, escreveu no livro clássico que chamou de “A Conquista do Deserto Ocidental”.
É em Cruzeiro do Sul que vive o jovem Romisson Santos, 25, nascido no Seringal Restauração, no Alto Rio Juruá e criado no Projeto de Assentamento Dirigido (PAD) Santa Luzia. Ele é uma das principais revelações da política na região. Formado em Letras pela Universidade Federal do Acre (Ufac), o professor de Sociologia é o que se pode chamar de pré-candidato qualificado e disposto a promover um profundo debate sobre o futuro de Cruzeiro do Sul e de seu povo. “Precisamos pensar uma cidade do século XXI”, costuma dizer.
Ambientalista de fato desde a adolescência, acredita e defende uma “ nova política” cujos pilares básicos são o desenvolvimento econômico, a inclusão social, equidade e conservação ambiental. “A Rede está conectada com uma atmosfera de mudança que existe no cenário político”, afirma o pré-candidato, para quem a população deve ser protagonista dos vindouros processos desencadeados.
Em sua opinião, a ex-ministra e virtual candidata a presidente pela legenda, Marina Silva, é uma das poucas figuras políticas que inspira credibilidade. Além disso, prossegue ele, ela desponta como mantenedora de utopias, algo raro nos dias de hoje. “A Marina é o que resta das nossas consciências”, ressalta Romisson Santos.
Romisson Santos fala com a ContilNet às margens do Rio Moa/Foto: ContilNet |
Às margens do rio Moa, ele conversou com a equipe da ContilNet e falou sobre sustentabilidade, ética, felicidade e aquilo que mais gosta, que é a política. Veja os principais trechos:
ContiNet – O que o senhor e a Rede Sustentabilidade chamam de nova política?
Romisson Santos – Os partidos tradicionais nivelaram a política por baixo. Em que pese ser uma atividade nobre, a vida pública tem se tornado um grande desafio. Porque a atividade é carregada de muito descrédito. Os casos que estão diariamente na mídia falam por si mesmos. O PSDB e o PT fizeram governos de erros e acertos. O PT com muito mais erros. Mas essa polarização já se exauriu. O Brasil é maior que isso. O século XXI exige uma nova postura dos líderes, dos partidos e das instituições. Então vamos fazer o debate que os partidos tradicionais abandonaram no cotidiano. Vamos discutir a vida das pessoas, a esperança, a leveza que falta na política e os sonhos de termos uma sociedade livre, justa, solidária e fraterna. Precisamos exercer a política com o seu real propósito, que é o de servir. Isso é o que eu concebo como nova política. E é isso que nós queremos mostrar na prática, não somente na retórica.
Diante desse cenário adverso, principalmente com a redução do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o senhor quer ser candidato a prefeito?
A política institucional é o espaço de tratamento das adversidades. E é nos momentos de crise que podemos inovar e sermos mais criativos. O projeto político em curso para Cruzeiro do Sul ainda é antigo, face às possibilidades e desafios do novo milênio, que pouco influenciou o modo de vida do cidadão cruzeirense. Vamos otimizar os recursos e inverter prioridades. Vamos aproveitar o potencial econômico da região, a sabedoria do povo e as belezas naturais para transformar em atrações turísticas, gerando renda para nossa gente. Enfim, estamos numa região de grande potencial, o que precisamos é de uma administração inteligente e que tenha o compromisso em melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem aqui. Se o gestor cuidar com zelo dos recursos públicos, dá para fazer mais e melhor.
Caso seja eleito, como pretende governar em tempos de crise?
O parâmetro de conduta do gestor público é a lei. O Art. 37 da Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2001, a Lei 8.666q93 [Lei das Licitações], que versa sobre contratos e licitações, entre outras, são mecanismos jurídicos e institucionais que dão base a uma gestão ética, eficiente e transparente. É preciso haver um diálogo permanente com toda a sociedade cruzeirense: a juventude, o homem do campo, associações de moradores, empresariado, instituições e todos os setores mobilizados. Dar eficiência à máquina pública a partir de uma maior presença dos cidadãos nas tomadas de decisão, e no controle dos gastos da prefeitura. O controle social é a melhor forma de fazer uma administração eficiente e transparente.
Como o senhor analisa o atual cenário político brasileiro?
Penso que não é o momento para ficarmos desolados ou eufóricos. É momento para ficarmos desolados e eufóricos ao mesmo tempo. Não podemos negar a frustração com o atual cenário político brasileiro: corrupção, inflação em alta, ineficiência do governo federal, juros altos, um Parlamento sem credibilidade, dentre outros fatores negativos quem permeiam a vida pública nacional. Mas é momento para ficarmos esperançosos, pois vem surgindo uma nova consciência que fala para fora e, certamente, com a união da Justiça, dos políticos de bem e da sociedade civil, essa união irá apontar e construir novos horizontes para a nação. Chegamos ao fim de mais um ciclo, onde uma promessa de governo popular demonstrou-se tão prejudicial quanto os quase 500 anos que o antecederam, ou ainda mais, pois, além da manutenção das velhas práticas políticas, que oneram a nação como um todo, e põem abaixo as possibilidades de um Brasil moderno e focado no futuro. Aqueles genuinamente preocupados com o bem-estar social, foram sequestrados em nome de um projeto de poder, que não é democrático, ainda que se valha dos mecanismos da democracia para se manter no governo. Tudo o que vivemos hoje é fruto desta história brasileira, de poucos avanços frente às necessidades e possibilidades do País. Precisamos acreditar nas instituições, mas quase todas elas estão impregnadas pela velha política. Mesmo que um ou outro setor avance, o conjunto não prospera, por isso se faz necessário um conjunto de reformas, que diminuam o livre poder das instituições, e as submetam mais à vontade pública.
Penso que não é o momento para ficarmos desolados ou eufóricos
Para o senhor, desenvolvimento é sempre estar acompanhado de equidade. Com base nisso, o que o senhor propõe para desenvolver o município e melhorar a qualidade de vida das pessoas?
Propomos, antes de tudo, ouvir os cidadãos, e colocar as pré-propostas da Rede à avaliação das pessoas. Pensamos hoje em orçamento participativo, em um conselho de assessoramento da prefeitura com a participação de presidentes de associações e instituições parceiras, na revitalização das áreas públicas, na potencialização dos espaços coletivos, como praças, escolas e postos de saúde. Mas queremos saber do conjunto das pessoas e como elas veem que a cidade pode ser melhor administrada. Queremos dividir responsabilidades e construir uma cultura de empoderamento da cidade pelo cidadão comum. A sociedade deve ser protagonista de todas as transformações.
Como o senhor avalia a atual gestão do prefeito Vagner Sales?
Com exceção da ex-prefeita Zila Bezerra, as gestões recentes cometeram erros e acertos, e a gestão do prefeito Vagner Sales não foi diferente. Eu não faço a crítica pela crítica. É inegável a popularidade do prefeito Vagner na zona rural, sobretudo, porque ele prioriza o setor rural e deixa a desejar em algumas politicas públicas urbanas, em minha opinião. E por isso tenho críticas à atual gestão. Vejo que o prefeito faz uma politica clientelista, da barganha e do compadrio. Penso que não deve haver mais espaço para esse tipo de política. Além disso, não posso ser conivente com ausência de politicas essenciais para a sociedade cruzeirense. Não consigo admitir porque até hoje não existe o Procon em Cruzeiro do Sul. Por que os alunos do Ifac e da Ufac, por exemplo, têm de pagar um preço abusivo por um transporte coletivo sem segurança e sem conforto? Tudo isso porque o transporte coletivo municipal não é regularizado. Temos uma gestão que não prioriza o saneamento básico, nem destina de forma adequada os resíduos sólidos. Apesar da beleza natural, que lhe é peculiar, nossa cidade é poluída sonora e visualmente. Precisamos de uma gestão moderna, que utilize os novos mecanismos da tecnologia de informação e comunicação para garantir uma maior participação da população na gestão do município, de maneira que o prefeito não seja mais o patrão, mas fiel servidor dos anseios do povo. Vamos manter as conquistas, corrigir os erros e ampliar o alcance do tiver bom.
Juntamente com o PSDB de SP, a administração petista no Acre é a mais longeva do País. Como o senhor analisa a atual administração petista?
Possui erros insanáveis. Submete o povo à vontade dos seus senhores, os governantes, perpetuando a cultura do patrão, tão impregnada no nosso inconsciente coletivo e, ao mesmo tempo, tão nefasto para o crescimento do povo enquanto cidadão. Continuam com uma velha prática clientelista, utilizando-se de todos os expedientes possíveis para se manter no poder. Beneficiaram-se de empréstimos milionários para a instalação de infraestruturas duvidosas. Onde temos uma BR que na qual foram gastos quase R$ 2 bilhões, e que está em péssimas condições. Temos um grande frigorífico para peixes, mas não temos a quantidade de peixes necessários para pô-lo em funcionamento. Distribuem kits de casa de farinha e outras aparentes benesses, mas não propõem um modelo mais empreendedor, apesar do atual slogan de governo, sinal de que não é assim tão parceiro. Um governo autoritário, que não está aberto ao diálogo, que faz chantagem emocional para assumir o papel dos bons, enquanto qualquer discordância, até mesmo uma observação ou sugestão de melhoria é vista com maus olhos. Um governo que, apesar do discurso, não promove um crescimento autônomo do Estado, sempre dependente de verbas e financiamento federais, e agora de recursos internacionais, como os disponibilizados por Alemanha e Noruega através do pagamento por serviços ambientais, isto é, vendemos a preservação de nossas florestas para que os países altamente industrializados continuem degradando o planeta, nossa casa comum. Os sucessivos governos do PT legaram inúmeros problemas ao povo acreano causados pelo o uso da maquina pública para beneficiar outrem, o controle da mídia, de instituições como Assembleia Legislativa, setores do Judiciário e Ministério Público. Vivemos no Estado do medo, onde a violência impera. A juventude não tem perspectivas e está abandonada à própria sorte nas periferias. São governos déspotas e inescrupulosos, capazes de usar de expedientes mais escusos para se perpetuar no poder. Jamais existiu um projeto de Estado, apenas um projeto de poder. O PT é um engodo. É um acinte à inteligência do povo acreano. Prega uma coisa e faz outra. É só vermos as estatísticas oficiais e compararmos com a propaganda palaciana. Precisamos sair do Acre midiático e entrarmos no Acre real.
É possível conciliar ética e política?
Não só é possível como necessário. Imprescindível, diria. Os valores estão invertidos ao ponto de a ética ser vista como uma virtude. E não é. Penso que ética deve ser uma valor permanente e inegociável na vida do indivíduo, não só do político, mas, sobretudo, porque ele está lidando com o que é público. Tem uma máxima que eu costumo repetir que é a seguinte: se os homens de bem não se manifestarem, os mal-intencionados irão tomar conta da política. A política só é realmente possível, e somente trará os resultados que se espera dela, se for protagonizada por homens e mulheres desapegadas do poder, com forte propósito de contribuição temporária no exercício de governar. Ainda estamos muito longe disso. Na nossa região a política sempre esteve muito mais próxima do “se servir” do que do “servir”. E temos um novo caminho a ser percorrido, sobretudo hoje com uma maior participação e controle do cidadão sobre os atos dos governantes, para que os supostos donos do poder percebam de onde realmente advêm este, que é do povo. Somente com transparência nas contas públicas e através da cobrança, do olhar atento do cidadão, é que o político aprenderá a se comportar com ética na política.
O que o senhor concebe como filosofia do bem viver?
Tem um conceito chamado de FIB (Felicidade Interna Bruta) ou Filosofia do Bem Viver que é o estilo de vida dos povos indígenas, segundo o qual eles acreditam não ser possível viver melhor sacrificando outros que vivam pior. O “bem viver” é o equilíbrio entre os seres humanos e destes com os elementos da vida. Trata-se de uma cosmo visão. A convivência de todos os seres humanos, com a mãe terra e todos os elementos do planeta mais amplamente. Acredito que é possível e necessária a aproximação da filosofia indígena e a abertura para o que é diverso na busca de uma sociedade mais justa. Somos capazes de convivermos com as diferenças. Tudo tem que ser pluri e para que tenha sentido deve ser inter, de inter-relação entre todos, para que as coisas avancem. O poder também precisa ser compartilhado para se chegar ao pluralismo e, consequentemente, ao bem viver.
Diante de uma região estratégica, por que as indústrias de cosméticos e fármacos não se instalam por aqui?
Boa pergunta! Acredito que seja por conta desta visão antiga e populista que reina nos velhos políticos da região. E nem mesmo um governo dito “da floresta”, que cunhou termos importantes como “florestania”, conseguiu efetivamente estimular estas práticas sustentáveis da nova economia verde. Mas vamos perguntar às indústrias. Se a Natura possui contratos com populações extrativistas em Carauari, interior do Amazonas, por que não em Cruzeiro do Sul. Identificamos o potencial de estímulo a esta e outras formas de exploração econômica da floresta, de forma sustentável, mas é preciso que o município compre a ideia e as instituições de apoio, de ensino e pesquisa, além do fomento de crédito, também direcionem seus esforços neste mesmo sentido. Também nos faltam melhores análises de cenários possíveis, de acesso aos mercados. Muito mais do que uma estrada, que também é importante, precisamos construir uma visão conjunta que aponte no rumo deste futuro possível e desejado.
Fale sobre fracking e outros projetos megalomaníacos do governo do Acre.
Parece-me um absurdo que, em uma das regiões de maior biodiversidade do planeta, de extrema sensibilidade ambiental, um território relativamente jovem se comparado com outros locais do mundo, proponha um projeto arcaico desta envergadura, que é a exploração de petróleo e gás, muito provavelmente utilizando-se de tecnologias extremamente danosas como o fraturamento hidráulico, onde a rocha, no subsolo, é pulverizada com água sob altíssima pressão e metais pesados, para liberar o gás preso à porosidade da rocha. Esta técnica tem o forte potencial de contaminar lençóis freáticos e cursos d’água, rios e igarapés. Há documentários na internet relatando a realidade de locais, sobretudo nos Estados Unidos, onde a empresa fornece toda a água consumida para uma família e seus animais, porque a água da propriedade foi completamente contaminada pelo gás, e nas torneiras a água canalizada pega fogo. Inúmeros estudos e a opinião de pessoas que conhecem a área de energias renováveis apontam o potencial do uso do sol, da queima de biomassa renovável, da energia eólica, da instalação de pequenas centrais hidrelétricas com o potencial de abastecer pequenas comunidades, gerando autonomia e focadas no autoconsumo. Estes projetos megalomaníacos, como gasodutos, megahidroelétricas, estão focados na transposição de recursos valiosíssimos, com a energia, para outras áreas altamente demandantes, enquanto a região de onde são extraídos arca com todos os custos sociais, desde o início da instalação do empreendimento. A ilusão dos benefícios econômicos cai por terra quando analisamos a situação de municípios como Presidente Figueiredo (AM) [onde funciona a Hidroelétrica de Balbina], Altamira (PA) [onde está sendo construída a usina de Belo Monte] ou mesmo Coari (AM) []famosa pela presença do Terminal Urucu da Petrobrás], que, apesar da imensa riqueza que geram ao país, não se beneficiam desta riqueza, possuem graves problemas socioambientais. Analisemos Porto Velho após a construção das usinas de Santo Antônio e Girau, e os graves alagamentos que a região tem enfrentado. É o menor impacto ao meio ambiente que garante a resiliência – a capacidade de suportar eventos extremos temporários e voltar ao estado de equilíbrio original – de uma região, e estas grandes obras estão acabando com esta capacidade da Natureza em muitos locais. Não é o que queremos para Cruzeiro do Sul e o Vale do Juruá. Queremos microssoluções, que sustentem a cidade, mas se adequem à distribuição populacional dos moradores, nos inúmeros rios, igarapés e ramais da nossa região. Queremos tecnologias inovadoras e simples, desenvolvidas pelo nosso próprio povo, direcionadas para o nosso jeito de ser e de viver.
POR JORGE NATAL
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