Nessa última semana, municípios inteiros do Acre foram engolidos pelas águas. Como se fossem seres humanos, as águas despejaram toda a sua violência sobre os acreanos de Brasileia, de Xapuri e, agora, de Rio Branco.
Casas foram destruídas, soterradas pela lama. Mercadorias e eletrodomésticos extraviados. Os prejuízos são incalculáveis. O sofrimento da população é intenso, tão imenso, que não cabe aqui num artigo de jornal.
Políticos e estudiosos começam a olhar para a alagação como um fenômeno novo, do ponto de vista da intermitência, da intensidade e da fúria, que não se via em enchentes anteriores.
Como um metal líquido impertinente, as águas do rio Acre estão deixando uma terra arrasada, uma economia destroçada (em tempos de ajuste fiscal e dificuldades econômicas) e muitas interrogações sobre o que deve ser feito para proteger a nossa população e os seus bens.
Já há quem defenda a transposição da cidade de Brasileia para lugares mais altos, o que demandaria investimentos altíssimos, em tempos de retração da economia. Imaginemos a logística e o custo de construir uma nova cidade, apenas Brasileia, a sexta mais populosa do Acre.
A última alagação nos levaria a incluir Xapuri e Tarauacá nessa transposição, pelo alcance geográfico das águas nas duas cidades, pela magnitude e pelos estragos. Ocorre que, nesse momento, Rio Branco já tem três Brasileia sob as águas, com cerca de sessenta mil atingidos pela fúria do rio Acre.
Portanto, ‘parece-nos’ que o caminho da transposição de cidades ‘pode ser’ um debate romântico, pelo custo imponderável e pelo tempo, o que não invalida políticas corretas de transferência de famílias das áreas mais críticas, muito baixas e próximas dos rios. Basta lembrar que, se não existisse a Cidade do Povo, haveria o dobro de famílias desabrigadas.
Ancoremos nosso tema na questão da BR 364. Mesmo que o governo federal assegure a sua elevação, o que nos garante que não possa vir uma alagação superior à que vivemos no ano passado, cobrindo as novas estruturas de elevação? Quem acreditaria que viveríamos, em Brasileia, uma alagação de 2014 (15,46 m) maior e mais violenta do que a de 2012 (14,77 m)?
Por isso, acreditamos que o assunto é mais complexo, exige mais tempo e mais dedicação para construir as primeiras respostas, mais gente debatendo e mais especialistas sendo ouvidos. Pode ocorrer que as soluções mais duradouras sejam mais exigentes do que estamos pensando.
Talvez, a sociedade das águas tenha que exigir a presença permanente de destacamentos da Marinha do Brasil nas regiões aonde os grandes rios acreanos cruzam as nossas maiores cidades. Homens treinados e equipamentos adequados para situações como essa que estamos vivendo.
Quem sabe, o nosso caminho de abastecimento possa vir pela estrada que construímos para levar riquezas. Se o que aconteceu com o rio Acre ocorrer com o Madeira, a estrada dos Andes pode nos conectar com um novo mundo de produtos e serviços, capaz, inclusive, de nos ofertar combustível e energia mais baratos.
Pode ser que descubramos que vale a pena pensar em construir grandes galpões, em regiões altas (próximas às áreas que alagam), para abrigar eletrodomésticos e mercadorias, nesses momentos de angústia das famílias e dos comerciantes.
E nossa bancada federal ajude a dotar o nosso heroico Corpo de Bombeiros de caminhões baús e de barcos para transporte que, aliados aos novos galpões, eliminariam o principal desespero das famílias nas alagações: a perda de bens, por falta de transporte adequado e lugares próximos e seguros para guardá-los.
De repente, nossos prefeitos começam a achar que está na hora de ter Defesas Civis permanentes, constituídas de homens e mulheres treinados, equipados, com um corpo técnico ativo e um contingente de reserva, que seria convocado e remunerado durante os períodos de ação nas águas.
E, como simbologia do detalhe, representando as pequenas e decisivas mudanças em nosso jeito de viver na Amazônia, as famílias pensem em instalar tomadas mais altas em suas casas, capazes de escapar do contato letal com as águas. E a Eletrobrás avalie melhor a altura dos medidores de energia e pense numa solução para os cipoais em que se tornam os rabichos na periferia.
Que os nossos políticos tenham o espírito aberto para liderar e construir as condições de sobrevivência dessa nova sociedade das águas, resiliente e com o seu mundo flexível, capaz de receber a fúria das águas e domá-las, nos ‘cinco dias’ em que elas insistem em invadir casas, comércios e expulsar famílias. E não fugir delas (apenas), deixando para traz todos os nossos bens.
Por fim, nunca devemos esquecer que, como a fúria dessa terrível alagação, nós já fomos quase asfixiados pela fumaça dos incêndios. Irônico, mas, a sociedade das águas deve se preparar também para o fogo que destrói florestas, casas e plantações e a fumaça que mata.
Por enquanto é cuidar dos desabrigados, estender a mão e reconhecer que o povo acreano, nessas horas de dificuldade extrema, sempre foi capaz de ampliar os raios espirituais de sua alma solidária.
P.S. Este artigo foi escrito em homenagem, in memoriam, à Inspetora de Alunos, Fátima Lima de Moura, funcionária da Secretaria de Estado da Educação.
Escrito Por
Moisés Diniz
Secretário Adjunto de Educação
Membro da Academia Acreana de Letras.