O povo Huni Kuî da Amazônia Ocidental, mais comumente chamado tribo Kaxinawá, vem sendo reconhecido nas últimas décadas tanto por sua luta política como pelo esforço na preservação de suas tradições culturais. Foi a primeira nação indígena brasileira a merecer um estudo científico cem anos atrás, e hoje se encontra plena de vitalidade abrindo novos horizontes para assegurar suas condições de florestania. Neste primeiro semestre de 2011, será pré-inaugurado em abril na Aldeia May Bnah da Terra Indígena Seringal Independência um espaço cerimonial onde, de 10 a 15 de maio realizar-se-á o III Festival Cultural Huni Kuî. O local, conhecido como Lago Lindo, fica ao lado esquerdo do Rio Tarauacá, a uma hora e meia de subida de barco a partir do município de Jordão.
Este é um tempo importante para a divulgação da luta milenar do nosso povo Huni Kuî do Jordão, pois passamos por muitas tempestades nesta longa luta pelos nossos direitos à igualdade, dentro dessa sociedade colonial onde sim vivemos, esse Brasil tão falado e tão distante dos sertões da floresta, onde viemos enfrentando várias situa-ções difíceis desde o tempo das correrias onde fomos perseguidos, chacinados, escorraçados, escravizados, obrigados a andar a trabalhar na chuva, no sol, no escuro, viajando de varejão e seguindo pelos varadouros, com o jamaxim e a estopa nas costas, dormindo na terra fria quando faltava até um fogo de chão. Ficamos muito tempo sem ter os mínimos direitos a nada e como espectadores só sentindo essa dor espiritualmente, ao contemplar outras pessoas de fora usando as coisas de nós - roubando, destruindo e saqueando as riquezas naturais da nossa terra bendita - sem poder sequer pretender reagir a nada. Assim perdemos muitos valores herdados de nossos ancestrais.
Dentro da floresta onde estão as grandes cabeceiras dos rios do Acre, viemos preservando as nascentes dos olhos d’água que são coração e pulmão do mundo - Purus, Envira, Tarauacá, Muru, Juruá, Jordão - apesar de vermos transformados os verdadeiros cristais que compunham as mentes da sabedoria humana de nosso povo.
Estamos buscando a melhoria de condições de desenvolvimento social dentro de nossas comunidades, quanto aos setores de educação, saúde, meio ambiente, cultura, segurança, as atividades de artesanato dos jovens e dos anciãos, nossa medicina tradicional, e agora entrando no mundo da tecnologia, para entender melhor o sistema geral do mundo e da sociedade brasileira e acreana onde participamos. Todas as nossas passagens nesta trajetória de luta sempre foram assim, entre baixos e altos, mas conseguimos sobreviver dignamente até hoje, por isso que queremos abrir espaço para quem quer saber e divulgar a nossa história para humanidade.
Este o sentido do III Festival Cultural Huni Kuî acontecer, mostrando um novo tempo de trabalho pelos direitos humanos indígenas já reconhecidos pela Organização das Nações Unidas em 2007, já é hora, somos respeitados pelo homem branco pelo menos quanto à luta pela preservação da floresta, os cuidado que nós temos por ela, os esforços de conservação da floresta pelos Povos Pano do Acre.
As cinco noites dedicadas ao Festival na Aldeia May Bnah serão uma rara oportunidade de apresentar aos visitantes um pouco dos aspectos cotidianos da vida em uma aldeia Huni Kuî (culinária, artesanato, caça de subsistência, pescaria, pintura corporal com jenipapo e urucum) assim como peculiaridades étnicas como nosso sistema terapêutico tradicional, nossas cantorias de celebração à natureza e cura, nossas danças e nossos adornos corporais. Entre nossa gente simples e aqueles que buscam a floresta em busca de conhecer um sistema autêntico de vida comunitária, abre-se um diálogo intercultural, que na verdade vem se aprofundando nas últimas décadas, e este diálogo almeja uma reciprocidade, um esforço de compreensão mútuo e possibilidades de cooperação e auxílio.
(Fonte: agazeta)