Integrantes de uma família perdem os movimentos e a fala sem que a ciência médica consiga explicar o fenômeno, que a cidade batizou como o “Mal dos Tropos”
As ruas arborizadas e floridas de Mâncio Lima, o município mais ocidental do Brasil, no Vale do Juruá, onde os baixos índices de violência permitem que a maioria das casas não precise dispor de muros ou de cercas de proteção, escondem um mistério que, com o passar dos anos, vem se revelando também um horror para a comunidade. Membros de uma família numerosa, da noite para o dia e sem que ninguém possa explicar a origem do problema, perdem a fala, a visão e a coordenação motora até se tornarem completamente dependentes de cadeiras de rodas.
Sem locomoção e com dificuldades de comunicação, essas pessoas passam a ser designadas pelos moradores da comunidade onde vivem, a Vila Guarani, nos arredores de Mâncio Lima, como membros da família dos “tropos” - definição para pessoas que não se aguentam sobre as próprias pernas.
São homens e mulheres, adultos e adolescentes, que, no caso, são mais que tropos. “São doentes sadios, mortos-vivos”, na definição de quem conhece o problema de perto, o sargento da Polícia Militar José Andrade, 40, membro de uma família de dez irmãos, dos quais seis já contraíram a doença. A matriarca, Glória Andrade Dias, hoje com 71 anos, foi a primeira desse grupo a apresentar os sintomas, aos 40 anos de idade.
Quando diz que seus familiares são “mortos-vivos” ou “doentes sadios”, Andrade quer definir seus parentes como pessoas que, apesar das sequelas da doença, não sofrem de outros males aparentes. Eles têm batimentos cardíacos e pressão arterial normais, por exemplo. A lucidez e a alegria, características manifestadas sobretudo por dona Glória, chegam a ser impressionantes. “Alguns chegam a apresentar sinais de depressão, mas isso é raro. Mas não poderia ser diferente. Essas pessoas vêm sendo deixadas no canto das paredes de suas casas à espera da morte”, diz José Andrade. “Parece que ninguém se importa com esse drama, como se essas pessoas não fossem seres humanos.”
Um dos “tropos” que, aliás, não faz questão alguma de esconder o mau-humor e total desgosto com a doença é homônimo de um dos mais criativos poetas da Música Popular Brasileira. Aos 18 anos de idade, Djavan Alencar Silva, que começou a manifestar a doença desde os oito e está na cadeira de rodas há quase uma década, lembra, em lágrimas, os tempos em que acompanhava os irmãos no futebol e nas pescarias. “Eu era o menino mais feliz desta Vila do Guarani”, diz. “Meu consolo é saber que, por tudo o que estou sofrendo agora, numa outra vida, Deus há de me dar coisa melhor”, resigna-se, sem deixar de emocionar quem o ouve.
A tristeza de Djavan não é por acaso. O mais novo de uma família de sete irmãos, cuja mãe, Lucila Dias de Alencar Silva, aos 56 anos e paralítica desde os 40, assiste ao sofrimento da irmã Maria Urlaete da Silva, 26, que também ocupa uma cadeia de rodas ao seu lado, e o desenvolvimento da doença no irmão Geovane, 28. Geovane é um dos poucos que demonstra não gostar muito de falar sobre o problema que o ameaça e que acomete boa parte da família. Ele diz que não tem a doença e que não sente nada, mas, ao se afastar, caminhando, dá sinais de que não consegue andar em linha reta e, ao ser chamado de volta, não consegue volver a cabeça para trás. Para atender quem o chama, tem que virar o corpo totalmente, demonstrando já alguma dificuldade. Manuel Andrade, um dos seis irmãos do sargento Andrade que foram afetados, confirma a dificuldade para atravessar pontes ou olhar para trás. “Quando alguém me chama, tenho que virar o corpo inteiro. Se virar só a cabeça, eu caio”, diz.
Essa parece ser uma característica de todos os que vão contrair a doença, diz o sargento Andrade, que funciona como uma espécie de interlocutor da família sobre o assunto. Segundo ele, todos os que vão ficar doentes, ainda muito cedo, crianças mesmo, demonstram alguma diferença em relação aos demais quando se trata de perigo. “Aqueles que vão ficar doentes têm medo de atravessar pontes de madeira roliça. Por onde nós passamos sem dificuldade, aqueles que vão ficar doentes, mesmo muito antes de manifestar a doença, demonstram muito medo, pavor mesmo”, diz o militar. É como se o cérebro do futuro doente o prevenisse do perigo.
É nessa característica que se agarra o falante José Andrade na esperança de ser poupado do mal que abateu a mãe e seis dos seus irmãos, além de quase uma centena de primos. Ele diz que quem vai manifestar a doença, como é o caso daqueles que têm medo do perigo ainda criança, “dão sinais logo cedo”, o que não é o seu caso. “Veja só, eu trabalho, sou militar, jogo bola, estudo, tenho atividades empresariais fora do quartel e não sinto nada. Por isso, eu acho que Deus me deixou de fora desse sofrimento para que eu possa, com a minha força, ajudar os parentes que precisam. Eu estou lutando. Como não posso fazer muita coisa, eu denuncio a situação, busco ajuda dos políticos e das autoridades e nunca paro de me mexer. Por isso, eu acho que fui poupado”, diz.
De fato, alguns, embora da mesma família, são poupados, o que torna o caso ainda mais complicado. Mas quem não é poupado passa beijar o chão do inferno, como é o caso da viúva Elisa Maria de Souza Dias. Ela lutou durante 23 anos com a doença do marido, Mâncio Alencar Dias. Depois da morte dele, já sem muita resistência, hoje cuida de três de seus oito filhos, que apresentam o mesmo problema.
Elisa já perdeu a filha Osana de Souza Dias, que morreu aos 38 anos, dez anos depois de adoecer. A irmã de Osana, Agner de Souza Dias, 37, mãe de dois filhos, mesmo sem andar e falando com dificuldade, luta contra a doença desde os 24 anos.
Na mesma casa, José Alberto Alencar Dias, 35, também depende da mãe Elisa. Ele foi atingido pela doença aos 12 anos de idade e hoje vive em situação mais grave que a irmã, completamente dependente. José Alberto é um daqueles que, como Djavan, aquele que xará do poeta da MPB, em alguns momentos também se torna agressivo em função de seu estado. Não é o caso de seu irmão mais velho, Francisco Ibernon de Souza, 51, que vem tentando escapar do “ Mal dos Tropos”. Ele está fazendo tratamento no setor de neurologia de um hospital em Porto Velho (Rondônia) e acredita que está obtendo melhoras a partir de injeções.
“Ibernon foi em cadeiras de rodas para Porto Velho, para se tratar. Lá ele toma injeções de quatro em quatro meses, mas os médicos disseram para ele que não existe cura, mas o remédio está o ajudando a não ficar mais dependente”, disse o primo José Andrade.
Doença chegou ao município no século passado, com Jofre Alencar, o patriarca da família
Ninguém sabe ao certo em que ano a doença começou a se manifestar em Mâncio Lima. Mas há uma pista para a origem. Seria o patriarca dos Alencar, Jofre Alencar da Silva - um homem que chegou à região de Mâncio Lima no século passado, cuja origem nem mesmo a família conhece -, o primeiro a manifestar a doença. Jofre tinha pelo menos quatro irmãos - Lili, Digna, Plácido e Mâncio Alencar. Como Jofre, todos morreram com sintomas da doença. Mas deixaram cada um pelo menos oito filhos, dos quais exatamente a metade herdou a doença dos pais.
É o caso de Glória de Andrade, a anciã de 71 anos, mãe de dez filhos, dos quais seis já manifestaram a doença. Dos oito irmãos, três deles - Vitorino, Francisca e Maria Raimunda - ficaram doentes como ela. Os quatro irmãos tiveram pelo menos 20 filhos. Cerca de 15 manifestaram a doença.
Mas, voltando à origem da família, vamos encontrar Lucila Dias de Alencar da Silva, 55 anos, já paralítica. Ela é prima legítima de Glória Andrade. Teve sete filhos, dos quais quatro já manifestaram a doença. Lucila é mãe do xará do Djavan, da Marizete, de 37 anos, que está paralítica, da Maria Urlaete, de 26 anos, também em cadeira de rodas, e do Geovane, aquele de 28 anos que não aceita a doença mas que já revela os primeiros sintomas. Pois dona Lucila é filha de Plácido Alencar, irmão de Jofre, aquele que primeiro manifestou a doença.
É exatamente a capacidade de reprodução da família que preocupa a cidade. “Eu acho, sinceramente, que eles deveriam parar de ter filhos”, disse uma contraparente da família dos tropos, Lúcia Alencar, 38. “Acho que a igreja e as autoridades deveriam intervir no município.”
O padre da cidade, Guilherme, mandou avisar, através de um secretário, que não daria opinião sobre o assunto, porque simplesmente o desconhecia.
Autoridades médicas dizem que problema é no cerebelo, e causa pode ser casamento entre consanguíneos
Quanto às autoridades, o secretário estadual de Saúde, médico Osvaldo Leal, disse que, pelo menos no que diz respeito ao governo do Estado, o problema da família de Mâncio Lima não é de todo desconhecido. Há pelo menos cinco anos as autoridades de saúde, alertadas pelo médico e senador Tião Viana (PT-AC), vêm acompanhando o problema, constatado através de um atendimento do programa Saúde Itinerante, do qual o senador tomou parte como médico.
De acordo com o secretário Osvaldo Leal, o médico Franklin Borges, num desses atendimentos, recolheu sangue de vários membros da família e enviou para exame num laboratório que trabalha com genética humana em Porto Alegre (Rio Grande do Sul).
O secretário Osvaldo Leal disse que, mesmo que ainda não tenha sido divulgado o resultado dos exames, que devem ocorrer em dois meses, o problema estaria relacionado ao que a medicina chama de “síndrome espinocerebelar”, que causaria os problemas de locomoção. A origem pode vir a ser os diversos casamentos consanguíneos ocorridos na família.
fonte: pagina20
huumn estranhO .
ResponderExcluirMUITO ESTRANHO;PRA NÃO DIZER ESTRANISSÍMO. MAIS ESTRANHO MESMO É AS AUTORIDADES CONSTITUIDAS QUE TEM O PODER NAS MÃOS; PELO VISTO ATÉ HOJE NÃO FIZERAM NADA.COMO ELES ,OS PODEROSOS SE COMPORTARIAM SE O CASO FOSSEM COM UM MEMBRO DA FAMÍLIA DELES?????????????????????????????????OU SERÁ PORQUE OS TROPOS NÃO PODEM VOTAR??????????????????????????.
ResponderExcluireu acredito que nossos representantes estão enrolando descobrir o caso , ou seja esse descaso.Pois sabemos que esse povo necessita de atendimento URGENTISSIMO, como diz na materia DESDE O SÉCULO PASSADO, isso é uma vergonha.
ResponderExcluirdeixa um parente de um politico desses se casar com alguem dessa familia que rapidinho tomarão uma decisão.
Enquanto não atrapalhar eles de votarem, a doença não é tão séria assim
ISSO É UMA VERGONHA!!!