Músicos e especialistas falam em tradição e maldição.Raul Seixas morreu há 20 anos, em 21 de agosto de 1989.
Foto de Raul Seixas feita por Ivan Cardoso em exposição no Museu Afro Brasil. (Foto: Ivan Cardoso / Divulgação)
“Mal eu subo no palco, um mala, um maluco já grita de lá: toca Raul! / a vontade que me dá / é de mandar o cara tomar naquele lugar / mas aí eu paro, penso e reflito / como é poderoso esse Raulzito / puxa vida, esse cara é mesmo um mito”. Retratado na canção “Toca Raul”, lançada pelo maranhense Zeca Baleiro há dois anos, o famoso grito parece perseguir músicos de todos os gêneros até hoje, 20 anos depois da morte de Raul Seixas.Será uma tradição do público brasileiro ou uma maldição deixada como herança do roqueiro baiano? Na tentativa de descobrir a resposta, o G1 falou com alguns especialistas na obra do Maluco Beleza.
“Raul Seixas morreu ignorado, sozinho. A gente brinca que essa foi a maldição que ele deixou”, diz Tico Santa Cruz, que empresta voz à narração do audiobook “O baú do Raul revirado”. “É melhor perguntar se existe algum show em que ninguém grite. Quando começam a pedir, a gente toca as músicas dele”, conta o vocalista do Detonautas, que tem uma banda paralela batizada de Tico Santa Cruz e o Rebu, em homenagem ao álbum de Raulzito.“Ninguém pode afirmar com segurança de onde veio esse ‘Toca Raul’, mas que virou uma mania nacional, isso virou”, comenta Sylvio Passos, presidente do Raul Rock Club e considerado uma autoridade no assunto. “De shows com estrelas internacionais, passando por rodinhas de violão, barzinhos, casas noturnas, salão de festas... Sempre tem alguém que grita. Acho natural músicos e artistas se irritarem com isso. Outros acham graça. Eu, pessoalmente, acho muito bom, embora eu nunca tenha cometido essa indelicadeza em locais que nada têm a ver com o universo de Raul Seixas.”
Raul Seixas por Ivan Cardoso. (Foto: Ivan Cardoso / Divulgação)
Marco Mazzola, amigo de Raul Seixas e produtor dos primeiros discos do Maluco Beleza, acha que o grito já é algo tradicional. “A obra do Raul Seixas é muito forte. Basta ver quantos artistas gravaram músicas dele. Tem Nando Reis, Frejat, até Chitãozinho e Xororó. Uma grande parcela da juventude de hoje gosta dele. Para ser fã de Raul, não tem idade. Hoje, 20 anos depois de sua morte, a obra dele continua atual.”
GalhofaO pernambucano China diz que já ouviu esse grito mais de mil vezes. “Acho que existe desde que eu me conheço por gente. Não sou fã de Raul como de Roberto, Erasmo, mas admiro muito a obra dele. Não dá para se irritar com o ‘Toca Raul!’, senão tu vai ter de parar o show a cada cinco minutos. Acho que hoje já virou um bordão, nem é coisa de fã de Raul só, tem gente que faz pela galhofa, pela brincadeira. As pessoas chegam a gritar ‘Toca Raul!’ em show do Del Rey, que já é um cover de Roberto Carlos”.Pata Tatá Aeroplano, que criou uma banda inspirada no álbum “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta: Sessão das Dez”, considerado o disco perdido de Raul Seixas, gritar “Toca Raul!” “é uma onda que começou logo depois que ele morreu”. Idealizador de projetos como Cérebro Eletrônico e Jumbo Elektro, ele conta que em qualquer lugar do Brasil em que se apresente o público sempre pede que a banda toque Raul.“Acho que antes era uma coisa séria, e depois o conceito se transformou. Quem pede pra tocar Raul no meio de um show quer algo inusitado, quer quebrar o protocolo. Com certeza isso vai passar de geração em geração, porque até os mais novos gritam”, diz.
“Uma vez, nós [Jumbo Elektro] tocamos num tributo ao Raul Seixas para os fãs mais chatos. A gente tocava Raul e os caras continuavam pedindo Raul! Acho legal porque é algo fora de controle, e já faz parte do ramo de shows na música brasileira.”