CARTA AOS CIDADÃOS TARAUACAENSES (24 DE ABRIL)


CARTA AOS CIDADÃOS TARAUACAENSES (24 DE ABRIL)
(A Ir. Nelda, Accioly e Palazzo)

Caros cidadãos tarauacaenses,

Logo mais será tempo de festejar, maquiarão nossa cidade e levarão nossos jovens para marchar pelas ruas. Alguns “ilustres” bem vestidos discursarão imponentes cheios do palavreado, ressaltando o “crescimento” da cidade, as “inúmeras” obras, e de como o povo está contente e feliz, tecerão projetos vindouros e o povo emocionado acompanhará com palmas cada palavra vibrante pronunciada por esses homens. Mas logo depois da festa a vida voltará a ser como antes, dona maria tropeçará num buraco, seu antônio enfretará os trapixes, dona antônia não conseguirá vender sua farinha para terminar o tratamento de seu filho... Enfim, as palavras dos homens "mais importantes" da cidade não passavam de ventos, não passavam de promessas.
Vai ano e vem ano. Aqui estamos novamente, celebrando a data natalícia de nossa singela cidade: 24 de abril de 1913. Já bem antes, desbravadores vindos de outras terras armaram barracas nas embocaduras dos rios tarauacá e murú. Então, teve início a saga tarauacaense.
Já se passaram 95 anos. Mas o que nos faz olhar para o passado, para ter esperança no futuro? Será que temos orgulho de nossa história? O sentimento de amor e pertença a terra, ainda arde em nosso peito? É verdade, muitas coisas mudaram durante todo esse tempo, que o digam os nossos anciãos.
Gostaria imensamente nesta carta, apenas louvar os fatos gloriosos de tarauacá: seus fundadores, políticos ilustres, cidadãos proeminentes, enfim... Mas preciso ater-me a nossa realidade. Não posso apenas evocar certo saudosismo, tenho que ser, antes de tudo, alguém do presente.
Louvo sim, as marias, antônios, bastiãos, joãos, chicos... Que ainda vivem heróicamente nos seringais, que de sinônimo de fartura, hoje se tornou um escarcéu de pobreza e abandono. Louvo esses homens e mulhures que viajam dias e dias, muitas vezes, em busca de um simples remédio contra dor de dente, porque são esquecidas pelos governos que ousam ainda em ignorá-los;
louvo os colonos e pequenos agricultores, que fartam as mesas dos “senhores feudais”, da mesma forma que fartam a mesa dos pobres. Louvos esses homens que continuam produzindo, sem nenhum subsídio ou técnica, a nãos ser, a que tem sido passado de pai para filho ao longo das gerações. Nascem trabalhando e assim também morrem, quando muito, amparados por uma mísera aposentadoria.
Louvo sim, os professores da zona rural, que embrenhados na mata enfrentam os piores desafios e lonjuras para levar a educação às nossas crianças, jovens e adultos mais longíquos. Muitas vezes ganhando um salário que não supre nem mesmo as despesas da viajem. Louvo esses homens, que contróem e contribuem para um mundo onde cada um tenha direito à educação com qualidade.
Louvo os homens da fé, que tem coragem de sair de sua comodidade para servir o povo de deus que vivem nas margens dos rios igarapés, nos centos ou ao longo das br’s e as margens da sociedade. Louvo esses homens que compreenderam, que vieram para servir e não ser servidos. Louvo os padres, pastores, irmãos e irmãs que não falam de deus apenas da boca p’ra fora nas igrejas, mas dão testemunho com suas próprias vidas e ações.
Louvo os líderes comunitários que erguem a voz pelos e com os moradores, em busca de seus direitos básicos. Louvo esses homens e mulhures que mesmo sem salários, sacrificam-se em busca de melhoria para as suas comunidades, e não desanimam mesmo sendo tachados muitas vezes de mentirosos e eleitoreiros.
Louvo os estudantes que conseguem superar todos os obstáculos que lhes são impostos pela sociedade capitalista e desigual. Louvo esses jovens que vão em busca do conhecimento, não pensando apenas em si próprio, mas em ser um auxílio para a sua gente.
Louvo todos os movimentos sociais e seus líderes que ousam desafiar o poder das estruturas e sistemas injustos que oprimem e mantém nosso povo excluído de participar dos bens produzidos pela sociedade. Louvo esses homens e mulheres que vão à luta, que não se vendem por barganhas ou trocas de favores.
Louvo sim, cada homem e mulher de bem de tarauacá. E digo-lhes, infeliz de um povo que precisa de heróis, e mais infeliz ainda, é povo que não tem coragem de lutar pelos seus direitos e preferem manter-se calado, perpetuando e sendo conivente com o sistema opressor.
Louvo sim, os tarauacaenses que deram a vida por esta terra para que ela fosse uma terra onde reinasse a justiça e a fraternidade.
Louvo sim, os tarauacaenses que não tem vergonha de comer uma “jacuba”, do que se deliciar num banquete, fruto de corrupção.
Louvo sim, os tarauacaenses que lutam para que nenhuma de nossas crianças ainda sejam avassaladas pelo fantasma da fome.
Agora a festa terminou. E nós aguardaremos anciosamente, não os festejos do ano que vem, mas a festa da justiça, onde todos os homens se reconhecerão como irmãos, comendo do mesmo pão, fruto do trabalho honesto...


Um esfarrapado cidadão
Raimundo Accioly

Cidadão comum da cidade de Tarauacá no Estado do Acre, funcionário público, militante do movimento social, Radio Jornalista, roqueiro e professor. Entre em Contato: accioly_ne@yahoo.com.br acciolygomes@bol.com.br 68-99775176

1 Comentários

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  1. Parabéns Tarauacá!!! Confraternizo-me com os esfarrapados povos da floresta, homens e mulheres de bem que amam verdadeiramente o Acre, a Amazônia e sua gente simples, humilde e trabalhadora!!!

    Fraternalmente,

    Professor Dinho da Silva
    Educador

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