Leitura da Carta reúne Brasil em torno da defesa da democracia


Um som ecoou do Prédio Histórico da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco. O momento de repúdio aos ataques à democracia brasileira, levou a SanFran a tomar seu lugar histórico de defesa às garantias jurídicas e constitucionais.

No Pátio das Arcadas, tomado por signatários da Carta de 1977, representantes de todas as áreas da sociedade civil, jornalistas, estudantes, professores, empresários e tantos outros profissionais, a leitura da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros – Estado Democrático de Direito Sempre” deixou claro que não há mais espaços para retrocessos.

No evento, transmitido por emissoras de rádio e de televisão, pelo canal do YouTube da FDUSP, as professoras Eunice Prudente, Ana Elisa Liberatore Bechara e Maria Paula Dallari e o jurista Flávio Bierrenbach leram o documento, que está perto de alcançar a marca de 1 milhão de signatários, enquanto a plateia acompanhava o ato dentro e fora do Edifício. O Largo lotou, por milhares de pessoas.

Neste ato, a primeira fala coube a presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Manuela Morais. “Não há dúvidas do marco histórico que a presença de cada um aqui representa. Como a primeira entidade estudantil fundada no Brasil, consideramos que era preferível que não houvesse, após 45 anos, a necessidade de uma nova Carta aos Brasileiros”, disse.

Primeiro momento

A manifestação foi dividida em dois momentos. A primeiro, no Salão Nobre, com a leitura do Manifesto em Defesa da Democracia e da Justiça, articulada pela Federação da Indústria do Estado de São Paulo, com 107 entidades.

Ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias leu o texto do primeiro ato, destacando a união de empresários e trabalhadores em defesa da democracia. “Hoje é um momento inédito em que capital e trabalho se unem em defesa da democracia”, ressaltou.

Os trabalhos no Salão Nobre foram abertos pelo Reitor da Universidade de São Paulo, Carlos Gilberto Carlotti. “Estamos aqui para defender a legislação eleitoral, a justiça eleitoral e o sistema eleitoral, com as urnas eletrônicas. Que a vontade do povo brasileiro seja respeitada e seja soberana”, disse.

Ao encerrar o primeiro ato, Celso Fernandes Campilongo, diretor da Faculdade de Direito da USP, lembrou a movimentação em torno da defesa da democracia e fez aproveitou para homenagear o professor Sênior da FDUSP José Afonso da Silva. “Em nome de todas as pessoas quero fazer uma homenagem muito singela a um dos maiores professores e constitucionalista do Brasil. Alguém que sabe muito bem o que é o sistema eleitoral, quais são as instituições que regulamentam, finalizam e tem competência para declarar quem venceu as eleições, alguém que conhece bem o sistema eleitoral brasileiro”, disse. (Kaco Bovi)

Leia a carta na íntegra

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:

Estado Democrático de Direito Sempre!!!!




fonte: https://direito.usp.br/

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