Era dia 12 de fevereiro, passava das 14h. Chovia. Um pequeno vazio separava professores/as dos/as policiais do pelotão de choque que estavam armados/as com gás lacrimogêneo, sprays de pimenta e armas com balas de borracha. Cachorros se perfilavam junto aos policiais. Do lado dos/as professores/as e funcionários/as de escola, muitos seguravam flores e gritavam palavras de ordem. Não fazia muito tempo, o Hino Nacional pode ser ouvido na boca dos/as manifestantes que ocupavam quase todo o estacionamento da Assembléia Legislativa do Paraná (ALEP). Estavam ali, porque foi por ali que os/as deputados/as entraram. A chegada dos/as deputados/as ao local foi vexatória. Escoltados/as pela polícia e escondidos/as dentro de um camburão, entraram na Assembleia por um buraco feito nas cercas que contornam o prédio. Rapidamente subiram ao quinto andar, local que aconteceria a sessão daquela tarde. Queriam aparentar normalidade, mas todos/as estavam assustados com os acontecimentos dos últimos dias. De lá de cima, com o mundo literalmente caindo aos seus pés, os/as deputados/as ouviam os gritos dos/as professores/as e funcionários/as de escola pela retiradas dos projetos encaminhados pelo governado Beto Richa para ser aprovado a toque de caixa pelo legislativo paranaense. É a chamada Comissão Geral, apelidada de tratoraço. Um artifício regimental que só existe no Paraná e permite que os projetos sejam aprovados sem os trâmites regulares e sem a devida discussão por parte dos/as deputados/as nas comissões.
Mas, para entendermos o desfecho disto tudo é necessário retroceder alguns dias antes.
Sábado, 7 de fevereiro.
A semana na sede estadual da APP-Sindicato havia sido de expectativa na organização da assembleia da categoria, marcada para o interior do estado, na cidade de Guarapuava. A contagem dos/as delegados/as aumentava à medida que se chegava próximo a data da assembleia. Os Núcleos Sindicais – num total de 29, a cada instante retificavam para mais o número de ônibus e de delegados/as que estariam se deslocando à Guarapuava. Eram 1000, passou-se para 2000, 5000 e no final, no dia, eram mais 7000 professores/as e funcionários/as de escolas agrupados no lado de fora de um ginásio de esportes no centro de Guarapuava. Era dia quente, de sol forte. Sob os gritos de “greve, greve,greve!” a categoria definiu parar por tempo indeterminado.
Motivos não faltavam: o não pagamento da rescisão de contrato dos/as professores/as e funcionários/as contratados/as temporariamente (PSS) e do 1/3 de férias dos professores/as e funcionários/as efetivos/as do Quadro Próprio do Magistério (QPMs), o fechamento de turmas, turnos e escolas, a revisão do porte de escola aumentando consideravelmente o número de estudantes em sala, a diminuição da contratação de merendeiras e agentes de limpeza, o não repasse do fundo de manutenção das escolas. Junte-se a tudo isso ,o pacotaço que o governo queria aprovar no Legislativo e que mexia consideravelmente no Plano de Cargos e Salários dos/as servidores/as, uma conquista história que não se podia perder.
De imediato, a APP-Sindicato constituiu um comando de greve, que passou o domingo articulando e organizando a tomada de Curitiba na segunda-feira. Nos Núcleos Sindicais a incumbência era pressionar os deputados de cada região, para que não aprovassem o tratoraço.
Segunda, 9 de fevereiro
Mal o dia amanhecia e muitas caravanas do interior e da capital do estado chegavam, o que demonstrava a organização, a força e o empenho do maior sindicato do estado do Paraná. Um acampamento central foi organizado, um tipo de quartel general. De um caminhão de som gritavam-se palavras de ordem. A praça nossa Senhora da Salete, em pleno Centro Cívico de Curitiba era aos poucos tomada pelos/as manifestantes. A expectativa era com a sessão da tarde na Assembleia Legislativa em que se votaria o regime de Comissão Geral que se instaura 24h horas depois de ser aprovada. Assim, votada a comissão na segunda, no dia de terça (10) os deputados poderiam votar o pacotaço do governo.
Falando em governo, Beto Richa, acuado, resolve se isolar em um espaço conhecido como Chapéu Pensador. Um bosque pertencente a Copel, usado muito por Jaime Lerner durante o seu governo. Alias Lerner recentemente foi condenado por improbidade administrativa na concessão dos pedágios no Paraná. Lerner e Richa são filhos ideológicos de mesma estirpe. Ambos rezam a cartilha neoliberal. No caso de Lerner, os/as professores/as e funcionários/as mais antigos/as são unânimes em dizer que seu segundo mandato foi desastroso e só não foi pior pela mobilização e resistência da APP. Como Richa sempre elogia Lerner, ele quis se sobressair ao mestre, e inicia o segundo mandato expondo sua caixa de maldades ao funcionalismo público estadual.
Nas análises que se seguiram após a vitória no primeiro turno do tucano Richa, a APP-Sindicato já indicava que seriam tempos difíceis os que seguiriam. Na edição de inicio de Ano do Jornal 30 de agosto – edição pedagógica, uma charge brincava com isso. Nela se via a gralha azul, símbolo do Paraná e da APP, vestida de cartomante alisando uma bola de cristal com os dizeres: eu já sabia. No jornal apontava-se como caminho na superação das dificuldades que viriam, a unidade, a organização e a resistência na luta.
Infelizmente, na tarde de segunda (9) os/as deputados/as aprovaram a Comissão Geral. Foram 19 votos contrários, 35 favoráveis. Caso emblemático foi da bancada do PSC, maior da ALEP em que quase todos os/as deputados/as votaram a favor depois que Secretario de Desenvolvimento Urbano, Ratinho Junior, recebeu do governo Richa ao aceno da garantia de recursos para sua secretaria.
Terça, 10 de fevereiro.
O dia começa quente e tenso no acampamento. O espaço ganhara vida com a instalação de várias barracas no gramado em frente a ALEP e do Palácio Iguaçu. A noite tinha sido de reuniões e articulações. Mobilizados pela APP, mais e mais gente chegava para acompanhar a votação da tarde. Um imenso painel deixava claro para todos/as quem foram os/as deputados/as favoráveis ao desmonte do serviço público e quem foram os/as contrários.
Passava das 14h30min quando se deu inicio a sessão. As galerias estavam tomadas pelos/as professores/as e funcionários/as de escolas. Outras categorias estavam presentes também. O descontentamento era comum a todos/as os/as servidores/as públicos.
Num ato de ousadia e resistência, como única forma de barrar o tratoraço, os/as manifestantes pulam das galerias e vão tomando o plenário. O corre-corre é geral. Em poucos minutos o Plenário da Assembleia é ocupado. Bandeiras de movimentos sociais e do sindicato são agitadas. A casa do povo era ocupada por quem é de direito, o próprio povo.
Imediatamente estabelece-se a ordem e organiza-se o espaço. Nos discursos que se seguiram a ocupação, o recado era claro, só se sairia dali com a retirada dos projetos.
Na guerra de informações que se travou, a opinião pública foi amplamente favorável a ocupação. A população cansada dos desmandos “richinianos” se solidariza com os ocupantes. O governo e seus/suas séquitos/as deputados/as isolam-se cada vez mais. A unidade na luta se estabelece a partir da organização e força da APP-Sindicato.
A Primeira noite e o dia seguinte seguem tensionados pela ação de bastidores e a possibilidade da policia invadir o espaço e retirar a força os que resistiam ocupando a Assembleia. Na manhã de quarta (11) os/as deputados, com o plenário ocupado, reúnem-se de forma improvisada e inusitada no restaurante no quinto andar, aonde encerram a sessão do dia anterior, abrem nova sessão e votam pela comissão geral para se realizar no dia 12.
Quarta, 12 de fevereiro
Amanhece no acampamento. No plenário da ALEP, desde cedo, os/as manifestantes ocupam a tribuna e discursam seu descontentamento ao governo Beto Richa. No caminhão de som, palavras de ordem são ditas a todo instante. Nos bastidores, parlamentares da oposição tentavam recurso ao judiciário pela não realização da Comissão Geral. Como é comum, ações judiciais deste tipo no estado do Paraná, principalmente depois que o governador Beto Richa concedeu auxilio moradia aos desembargadores, a liminar não foi aceita pelo judiciário.
Num ato maior de resistência, professores/as e funcionários/as trancam as entradas da ALEP. Nenhum séquito de Richa podia entrar no prédio, a não ser pela ação hollywoodiana que se viu horas depois com uso de camburão, escolta policial e corte de cerca.
De volta ao chão e a chuva que o cobria o dia 12.
Frente a frente, educadores/as e policiais. Há qualquer momento o confronto seria inevitável. E ele veio. Os/as policiais foram para cima dos/as professores e funcionários/as. O som das bombas, o cheiro do gás, os sprays, os cães. Tumulto, confusão, gritos. Bravamente os/as manifestantes resistem e dobram a polícia que recua. Lá de cima, do alto do quinto andar não havia mais como manter a normalidade. Assustados/as e acuados/as, deputados/as resolvem encerrar a sessão que nunca deveria ter iniciado. Minutos depois veio a noticia, o governo igualmente acuado, recua e retira os projetos.
No chão molhado e tomado de resistência pelos/as manifestantes, abraços, sorrisos que se misturavam aos choros. Novamente o Hino nacional. Gritos e mais gritos de vitória. Uma vitória que veio, antes de tudo, da organização e força da APP=Sindicato.
Dia histórico, desses que ficam acesos na nossa consciência dos/as educadores/as e que passa de geração em geração. Dia em que o povo, organizado, resistiu aos desmandos de um governo que quis se impor pela soberba de seus/suas deputados/as e pela força de seus/suas policiais. Dia em que a classe trabalhadora se fez unidade e superou a truculência. A chuva que descia dos céus lavava o corpo, mas a vitória dos/as trabalhadores/as lavava-lhes a alma.
Não houve espontaneísmo e muito menos idependentismo no movimento. Houve claramente uma ação organizada de um Sindicato que mostra força e resistência no combate aos desmandos palacianos de um governo que se afunda em seus próprio erros e tenta de todas as maneiras que o funcionalismo público estadual pague a conta por seu desgoverno. Que aprendam estes que tentam ludibriar a classe dos/as professores/as e funcionários/as de escola em terras paranaenses: aqui tem luta, aqui tem resistência, aqui tem APP-Sindicato!
Por Hermes Silva Leão
Presidente da APP-Sindicato
Pedagogo e professor de educação física da rede estadual de ensino
Foto: Leandro Taques / Mídia Ninja