A REGIÃO ‘MAAP’ OU COMO O FUTURO JÁ CHEGOU À REGIÃO MAP (PARTE 1)*

Foster Brown** & Evandro Ferreira*** - A Região MAP, uma área trinacional que engloba a Região Madre de Dios/Peru, o estado do Acre/Brasil e o Departamento de Pando/Bolívia, forma o coração da Amazônia Sul-Ocidental e é um palco onde o futuro parece estar chegando rápido. Como Guillermo Rioja (2005) notou, a Região MAP é uma construção social, ou seja, reflete um paradigma, uma visão do mundo, onde a colaboração transfronteiriça pode ser um bem social na resolução de problemas de um mundo em mudança. 

Quando a palavra MAP foi concebida, durante uma reunião realizada em dezembro de 2000 em Rio Branco, a principal preocupação dos participantes era o impacto de uma estrada interoceânica na região fronteiriça. Outras mudanças, como a climática ou dos ciclos globais de elementos, eram de interesse meramente intelectual, algo para um futuro indeterminado. Neste milênio, a estrada interoceânica foi asfaltada e a ponte Brasil-Peru construída. O movimento comercial, apesar de estar abaixo das expectativas de muitos, segue crescendo e foi útil para o Acre de uma maneira inesperada: aumentou a resiliência da economia acreana.

Durante a cheia do Rio Madeira em 2014 o movimento de caminhões na estrada federal BR-364 que liga o Acre com o resto do Brasil caiu de mais de 200 para 20 ou menos por dia entre os meses de fevereiro e abril. Esta queda abrupta comprometeu o abastecimento de combustíveis e alimentos no Estado e o impacto foi sentido até em Puerto Esperança, no alto rio Purus, no Peru, e em Cobija, na Bolívia. A importação de milhões de litros de combustíveis e centenas de toneladas de alimentos do Peru pela Estrada Interoceânica foi chave para evitar o colapso no abastecimento do Acre.

O asfaltamento da Estrada Interoceânica também promoveu outro resultado não esperado: a imigração para o Brasil de haitianos e senegaleses que já totaliza mais de 35 mil pessoas desde 2010. Nesta mesma linha de facilitar o transporte, uma ferrovia paralela à rodovia Interoceânica está sendo proposta com o apoio da China. De certa maneira, o sistema de transporte já deu a sua contribuição para mudanças de ordem social e econômica irrevogáveis na Região MAP, mas aparentemente estas mudanças podem ser pequenas frente ao que as mudanças climáticas podem provocar. 

Durante os últimos anos duas publicações alertaram que, sem que a gente perceba, estamos em uma fase de grandes mudanças de paradigmas. Bill Mckibben (2011) publicou o livro intitulado “Teerra, Vivendo num Planeta Novo e Problemático” e Naomi Klein escreveu em 2011 um artigo na revista “The Nation” intitulado “Capitalismo versus o Clima”, posteriormente ampliado com a publicação do livro “Isso Muda Tudo” em 2014. 

Mas será que estamos passando por uma mudança drástica de paradigma na Região MAP em função do clima? 

Usando o truque de McKibben, que acrescentou a letra ‘e’ a mais na palavra Terra para ressaltar que o planeta não é mais como antes, nos perguntamos:

- Será que a Região MAP vai virar ou já virou a Região MAAP? 

A pergunta é feita por que, aparentemente, ainda temos a impressão de estar lidando com o paradigma de que a região MAP está no “o fim do mundo”, que é um resquício do período de extração de látex quando Acre, Pando e Madre de Dios eram conhecidos por sua localização remota e isolada quando os rios deixavam de ser navegáveis no verão amazônico. Essa impressão é reforçada pela persistente insistência nas mídias sociais de campanhas do tipo “O Acre Não Existe”. 

As evidencias contra e a favor 

Como cientistas, fomos treinados para ser cético e olhar as evidências. Afinal, o clima está sempre mudando e houve épocas quando, naturalmente, tivemos eventos extremos bem piores que os acontecidos em anos recentes. Por exemplo, a seca de 1925-26 foi a mais prolongada desde que o nível do rio Amazonas passou a ser monitorado em Manaus, em 1903. Existem indicações de que esta seca durou bem mais que os três a quatro meses que ocorrem normalmente na Região MAP. 

Betty Meggers (1994) descreveu mega-El Niños afetando civilizações indígenas centenas de anos atrás com secas extremamente severas que duraram décadas e mesmo séculos. Na memória de antigos moradores de Cobija já aconteceram inundações maiores que a de 2015, considerada a maior dos últimos 25 anos. Como se vê, mesmo em uma região com tão poucos dados históricos precisos sobre o clima, a ausência de evidências não é equivalente à evidência de ausências. 

Com tanta variabilidade natural, como chegar à conclusão de que estamos entrando em uma mudança drástica permanente, ou seja, que o planeta não é mais a Terra que conhecíamos? 

Primeiro, sabemos que os gases causadores do efeito estufa, especialmente o gás carbônico (CO2), são essenciais para a manutenção do balanço energético do planeta. Segundo, a concentração atmosférica desses gases tem aumentado em velocidade inédita, aparentemente a mais rápida dos últimos 55 milhões de anos, e as concentrações observadas atualmente são as maiores dos últimos 800 mil anos. Terceiro, este aumento, especialmente do CO2, é debitado à ação humana (queima de combustíveis fósseis e florestas). Quarto, existem múltiplas evidências de aumento da temperatura dos oceanos e da atmosfera que não tem outra explicação. Paralelo a isso, e além de chuvas e secas na Amazônia, está ocorrendo a intensificação do ciclo hidrológico global desde 1950. 

De fato, as florestas da Região MAP já estão sujeitas a concentrações de CO2 30% superiores às concentrações observadas nos últimos 800.000 anos. O CO2 é um elemento essencial para a fotossíntese e alterações no seu ciclo causarão efeitos na produtividade das florestas. Só este fato indica que já estamos em um mundo novo, mesmo que alguns dados sugiram que o efeito do aumento de CO2 na produtividade das florestas sejam, até agora, menores do que os impactos do clima em florestas tropicais. [artigo continua...] 

*A íntegra desse artigo, com as referências bibliográficas foi publicado na revista MAPIENSE 2, p.43-48, 2015.

**Foster Brown é pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).

**Evandro Ferreira é pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da UFAC e docente em Ciência Florestal da Universidade Federal do Acre (UFAC).

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